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“A mentira tem a perna curta…”


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião quarta, 16 outubro 2019

São de longe, mas já os conheço há muitos anos. Tudo era perfeito na sua vida, como família. Um dia destes, a mulher visitou-me para falar. Contou-me que sempre acreditou, até àquele momento, em tudo que o marido dizia. Ele era um homem carinhoso, que sempre estava disposto a ajudar, apoiava a cuidar da casa, era muito presente, tanto com ela como com os filhos, tudo era perfeito. Um bom pai e um bom marido. Mas, um dia tudo mudou:

 

- Foi uma bomba que caiu sobre a minha cabeça… Fiquei de rastos! O meu coração ficou em trapos.

 

Descobriu que o marido mentia. Que deceção! Num choro compulsivo, disse-me:

 

- Afinal, tenho um marido que é uma farsa.

 

Não sabendo bem como, veio a saber que tinham uma dívida exorbitante, que ele comprava coisas compulsivamente, que desviava dinheiro e não pagava a renda da casa nem as outras contas, e, conjugalmente, tinha uma vida duvidosa. Que catástrofe para aquela família, sobretudo para aquela mulher!

Será que ela não quis ver, ou foi o marido que escondeu tudo com as suas mentiras? Quem era afinal o seu marido? Aquele em que ela sempre acreditou, ou o que acabara de conhecer com as suas mentiras?

Ele tinha-lhe justificado que não percebia a necessidade de mentir, mas que, mesmo assim, mentia.

Quando organizavam, em casal, os afazeres da vida, ele respondia que sim a tudo, mas depois, nunca fazia o combinado e inventava sempre uma mentira, para se justificar. Posteriormente, criava mais mentiras para sustentar a anterior, chegando até a acreditar nas suas próprias mentiras. A sua vida acabou por se transformar numa vasta história de mentiras para não cair em contradição.

 

Na verdade, nem todos sofrem do transtorno da “mentira compulsiva”, mas a mentira, por muito pequena que seja, não deixa de ser um problema. São os casos daquelas mentirinhas diárias que criamos.

A mentira é um relato que não corresponde ao real, mas sim a uma estratégia verbal para enganar a outra pessoa ou a nós próprios. Aliás, na maioria das vezes, a nós próprios! O mais prejudicado é a própria pessoa que mente. Muitos fazem-no por irresponsabilidade, para escapar às punições, ao julgamento de alguém ou mesmo para alcançar um melhor conceito sobre si diante dos outros. Muitas vezes, utilizamos a mentira para esconder um comportamento que temos, que não é aceite, que não é o esperado.

Muitos aprenderam a mentir ao longo da vida, noutras situações, a pessoa sente-se insatisfeita consigo própria e, por isso, cria uma outra vida paralela, ou seja, cria uma vida que gostaria de viver, ou mesmo uma pessoa que gostaria de ser. Existem aqueles que apresentam uma autoestima baixa, que precisam provar aos outros algo que ainda não conseguiram ter ou ser. Contudo, a pessoa que mente fica presa à sua mentira, uma vez que não poderá jamais esquecer o que contou, pois terá que o sustentar. Que situação!

O cérebro humano parece que não foi criado para a mentira. Para mentir, é preciso primeiro que a pessoa saiba da verdade; depois, que crie uma história falsa. Portanto, o cérebro leva mais tempo a fazer este processo que a dizer a verdade. Primeiro, a verdade é memorizada e posteriormente a mentira é criada. O problema é manter arquivada uma memória de um facto que não aconteceu. Por isso, o esforço para manter uma mentira é muito grande! Talvez, para muitos, seja difícil viver a verdade, porque criaram muitas mentiras e a sua vida tornou-se uma mentira. Que fazer nestes casos doentios? O remédio é sempre exercitar a verdade.

 

Já agora, a família que acima referi está bem. Ele assumiu as mentiras e as consequências de as resolver. Percebeu que muitas delas estavam relacionadas com a insatisfação da sua vida, entendeu que algumas mentiras estavam relacionadas a uma autoimagem distorcida. A esposa, entretanto, precisou fazer um processo de perdão e assumir que o marido perfeito que ela queria, teria que ser ajudado, para o que ele precisava de ser! A esposa está a crescer na confiança!  Parece que agora o casamento vai bem, pois cada um vai avaliando os seus comportamentos e verificando que o relacionamento só vale na e com a verdade. Mais, descobriram que a verdade, afinal, é um ato de coragem e responsabilidade e que, segundo um ditado popular, “a mentira tem a perna curta”!

 

P. Rodolfo Leite