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A DEMOCRACIA ESTÁ COXA


tags: Política Categorias: Opinião quarta, 30 outubro 2019

Se há factos a registar após as eleições legislativas do mês de Outubro, eles passam pelo recorde absoluto dos 51,43% de abstenções, uma demonstração inequívoca de que o regime político está doente, adormecido, podre e cada vez mais longe de interpretar a vontade de todos os portugueses. Em paralelo, outra conclusão que se tira é a de que a maioria dos cidadãos está de outro lado da barricada, desinteressada e amorfa, sem opinião nem vontade de exprimir perante o exibicionismo dos atores políticos, seja o que for. Decidiram optar pela inutilidade de ir às urnas, ficando em casa. Afinal, a conclusão de que a classe política que se tem perpetuado no poder, não soube, não sabe, não quer saber dos portugueses, não os conseguindo mobilizar para o cumprimento dos deveres cívicos. Não consegue motivá-los perante os interesses da comunidade de que são parte e conteúdo. Um fracasso geral do processo politico em curso, o do regime autocrático que foi imposto ao país pela mediocridade partidária.

E a verdade é que quase meio século passado sobre o 25 de Abril, a democracia coxeia, coxeia sem bengala e sem apoio. O descrédito ultrapassou os limites do razoável. Qualquer coisa como bater uma fotografia com dez milhões de pessoas e na revelação aparecer só metade, o outro meio sumiu-se, desvirtuando totalmente a objetiva original. É uma representação neste, como em outro qualquer país onde só metade vive e outra desapareceu. Quem gere estas geringonças, a meu ver, gere geringonças no seu próprio sentido e tem poucas ou nenhumas razões morais ou políticas para se manter no poder. Se nas equipas desportivas, futebol incluso, as derrotas são correntes, os treinadores vão-se embora, perdem crédito e emprego, aqui, porém, ficamo-nos pelo alheamento e repetição que é a vitória da mediocridade. De tal maneira trágico que a realidade, superando a ficção, vive desta dicotomia entre o mau e o pior, dicotomia que mantem o país na corrupção e pobreza e no jogo viciado da troca de influências. Socratadas, galambadas, espíritos santos, portadas, que tem transmitido ao cidadão e ao país a imagem desacreditada da “nobreza” que a política e os políticos transmitem. O cidadão não pode continuar a ser o eterno pagante da incapacidade dos eleitos, quer direta quer indiretamente e muito menos deve o eleito ficar imune às leis do país ou à aplicação da justiça nos seus atos. Ser político não é ser dono de nada, mas sim servidor do seu país, aí sim, está a nobreza da causa.

Escutando as palavras de um ex-ministro da Economia, a primeira prioridade do Governo que o método de Hont apurou agora, e lembremos que há mais formas de apurar estes sucessos, seria o combate á corrupção onde, como indicam as estatísticas da comunidade europeia, campeamos entre os mais corruptos, sendo ano após ano, incapazes de sair do fundo deste poço. E dá como exemplo a recente bancarrota, chamando-a sem subterfúgios pelo nome próprio e caracterizando-a como a maior crise financeira da nossa história. É a verdade e é verdade que a pagamos para regalo de alguns. Apesar disso, encontradas as causas, os erros e os agentes, nada aconteceu, continuamos a aguardar pelas consequências, porque nos falta uma postura institucional séria e forte para lutar com êxito contra a corrupção instalada. Falta a justiça das leis, a eficácia do castigo, a independência dos tribunais, e o acabar com influência dos amigos e comparsas, algo que os Parlamentos que vêm sendo eleitos têm anarquizado e não reconstruído. Falta credibilizar a justiça, dignificar o cidadão, agilizar a vida aos investidores e ao investimento, criar riqueza para criar empregos. Falta ao parlamento substância, conhecimento e experiência para melhor decidir, interpretar ou construir a lei, afinal, as regras básicas para um viver comum. Falta justiça social e igualizar os portugueses em direitos e deveres levando a cabo uma revolução moralizadora sem distinção de classes sociais.

A democracia está coxa, partiu as pernas, não sabe caminhar. Daí que de 10.841.000 (dez milhões, oitocentos e quarenta mil) habitantes inscritos nos cadernos eleitorais, apenas 5.251.000 (cinco milhões duzentos e cinquenta e um mil) menos de metade, foram votar, e cerca de 1.900.000 (um milhão e novecentos mil) votaram no partido vencedor. Conclusão, o Governo eleito foi escolhido com os votos de cerca de quinze por cento (15%) dos inscritos nos cadernos eleitorais

É pouco, muito pouco para convencer alguém que a democracia é esta coisa estranha, construída sobre o absurdo de 15% de um povo com a irrealidade dos números que um método, o de Hont, nos leva a aceitar, ajudando a colocar no poder a clientela partidária que o cidadão desconhece e se eterniza no poder e nas instituições. Os mesmos, sempre os mesmos.

Luso, Outubro, 2019