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Património no concelho de Mealhada Observações. 14.


tags: Maria Alegria Marques, Mealhada Categorias: Opinião quarta, 30 outubro 2019

Continuando ainda por Barcouço, deve dizer-se que, apesar do crescimento do número das suas capelas, nem tudo ia de feição pela freguesia.

            A capela da Quinta Branca foi motivo para um longo e complicado processo entre os senhores e os rendeiros: na primeira metade do século XVIII, o senhor, D. João Teotónio de Almeida, vivia na quinta, com sua família, e por decisão testamentária de um seu antepassado, estava obrigado a proporcionar, aos seus rendeiros, o acesso aos ofícios religiosos, nomeadamente, ouvir missa, aos domingos e dias santos, bem como usufruir dos sacramentos, livremente, na sua capela. Porém, em tempo bem lembrado ainda em 1744, essa mesma capela foi substituída por uma outra, “primorosa capela”, que aquele fidalgo mandara fazer dentro das suas mesmas casas. A certo momento, o mesmo D. João Teotónio de Almeida decidiu ausentar-se da sua quinta e casa, em Barcouço, com sua família, e “todo o móvel”, isto é, o recheio da casa, “com ânimo certamente de não voltar”. E assim foi: o fidalgo retirava-se para as suas terras, no Alentejo, e os bens, em Barcouço, corriam a sorte da sua ausência, isto é, entravam em decadência. E a capela com eles. E com a sorte da capela, a inexistência de serviços religiosos para os rendeiros que, todavia, continuavam a pagar as suas rendas e serviços ao rendeiro principal, um certo Francisco Ramos, de Barcouço, que servia de intermediário entre os lavradores e o senhor.

            Não sabemos se movidos por motu proprio, se incitados por alguém, quem sabe se o próprio pároco da freguesia, o P. Teodoro Amorim dos Reis, o povo iniciou uma longa disputa com os senhores da terra, pela sua capela. Tão longa, que ainda durava em 1760, falecido já D. João Teotónio, e sendo senhores da casa seu filho, D. António de Almeida Beja e Noronha, e sua nora, D. Violante Josefa de Melo e Castro. O povo terá gasto o que tinha e o que não tinha; os senhores nem cuidaram da capela, nem deixaram de receber as rendas, ainda que, pontualmente, elas lhe fossem embargadas; pelo meio, o rendeiro principal procurava gerir o processo sem hostilizar as partes, tentando um equilíbrio de que também usufruía. Fosse como fosse, a capela caiu em ruína, mesmo depois de muitos esforços e muitos gastos, sempre às custas do povo.

            Ainda sob os esforços do mesmo pároco, P. Teodoro Amorim dos Reis, se tentou dar remédio a um outro caso, que lesava alguns moradores de Barcouço. Tratou-se do caso da capela de S. João Baptista da Azenha da Rata. Bem dotada, com casas na cidade de Coimbra, na calçada e praça por cima do chafariz e outras na Rua Direita, a capela estava situada em lugar deserto da freguesia, e despovoada e longe do mesmo lugar, onde nem sacerdotes queriam deslocar-se, pelos incómodos que sofriam. Por isso, aí não se diziam as doze missas anuais a que a capela estava obrigada, com prejuízo dos encargos espirituais que lhe estavam ligados (os sufrágios por alma do instituidor e pela de sua sobrinha D. Filipa Nogueira e de sua irmã Domingas João), e que passaram à igreja de Barcouço.

            Hoje, ao intentar-se um percurso por estas construções, são profundas as mudanças, pois a maior parte das capelas que referimos no texto já não existem, precisamente porque, sendo capelas particulares, estas eram as mais sujeitas às vicissitudes das famílias suas padroeiras. Outras, teimam em persistir, nas suas invocações protectoras das gentes locais que, assim, continuam cerzindo o fio da vida e da história, ligando passado e presente, no elo que une as gerações. Não deixa de ser gratificante perceber como persistem e, nalguns casos, tão problemáticos outrora, o povo foi capaz de as fazer renascer do quase nada a que haviam chegado, como no caso da capela de N.ª S.ra da Conceição, na Quinta Branca.

            Aos leitores, deixamos o repto de confrontarem este nosso texto com o conteúdo da obra que já indicámos, Inventário#001. Património cultural civil e religioso do concelho de Mealhada, no que a esta freguesia diz respeito.