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277-BUSSACO, EXILADOS e ASILADOS


tags: Ferraz da Silva Categorias: Opinião quarta, 13 novembro 2019

João de Melo, bispo e inquisidor, foi estranhamente um ermitão do Bussaco, onde aliás está sepultado numa tumba central no piso da igreja do Convento. Voluntário exilado no próprio cenóbio que ajudou a construir, o bispo foi dos primeiros a utilizar o recinto para se redimir do peso inquisitorial, talvez das suas decisões, dos seus pecados, de algumas chamas das fogueiras clericais. Ocupou nas frequentes estadias a ermida de Nª Srª da Expectação, (Casa dos Leões) a mais próxima da igreja e a de maior dimensão, pois se destinava a acolher os bispos conimbricenses. A seguir a estes bispos de presença voluntária em favor da fé e do perdão, para o Bussaco foram exilados os filhos bastardos de D. João V, os chamados Meninos de Palhavã. Ali cumpriram o seu desterro de 1760 até 1777, uma prisão vigiada e segura de que durou até ao fim do ministério do Marquês de Pombal com a morte de el-rei D. José. A ermida de S. José, juntamente com a da Srª da Conceição, foram cenário e cárceres onde penaram durante dezassete anos os meninos ilegítimos, António e José, antes da sua transferência para o Convento onde acabaram a pena ocupando as celas.

Na sequência do mesmo processo que envolveu os Távoras e o Duque de Aveiro, acusados de atentar contra a vida do mesmo rei, foi confiscada com todos os outros bens da família a ermida do Santíssimo Sacramento mandada erguer pela Duquesa de Torres Novas, Ana de Cardenas. Situada na encosta do vale do Carregal e próxima da ermida de Caifás, ainda há pouco tempo mantinha de pé alguns muros e paredes que a incúria deitou no chão.

A partir de 1814 e durante quatro ano esteve preso na Cerca o bispo de Bragança, António Luís da Veiga e de 1821 a 1823 o cardeal patriarca de Lisboa Carlos Cunha, e com ele Frei Manuel da Madre Deus, bispo de Braga e Bernardo, bispo de Pinhel, desterrados por motivos de interesses próprios e de paixões terrestres.

Havemos de juntar a estes degredados ou desterrados, Wellington, o general inglês e as suas tropas e referiremos os dois padres carmelitas e um leigo que após a batalha do Bussaco recolheram no convento sessenta franceses maltratados e perseguidos pelo povo que os pretendia matar. Trataram-nos, alimentaram e conseguiram subtrai-los à multidão salvando-lhes a vida. E não esqueçamos o último “amador” do Bussaco, Francisco António, leigo voluntário na defesa do património, antes de Morais Soares, um eremita botânico que se apaixonou pelos seus termos, ter recuperado a Mata de entre os bens públicos do reino.

Foram estes alguns exilados, obrigados e voluntários, que a Cerca acolheu, aos quais podemos juntar os protagonistas da batalha que em 1810 dignamente se portaram, independentemente do lado por onde figuraram nas forças em confronto. Todos agiram dentro dum cenário concreto, líquido, transparente e moralmente fundamentado, não na condição de degredados, mas de agentes atuantes dentro da normalidade dos acontecimentos do mundo do seu tempo.

A todos estes homens, a quem chamo amigos, construtores, amantes, estudiosos, conservadores, e relembre-se que a floresta dos frades era constituída pela flora nativa acrescentada com cedros, que se vieram a chamar do Bussaco em razão da sua fácil adaptação ao solo, eu dou o nome geral de exilados, uns por castigo, outros por amor, com o propósito de os contrapor aos atuais “destruidores do Bussaco” a quem já chamam por aí os “asilados “ do  Buçaco , gente à volta duma fundação politizada que não conseguiu recuperar, com o aval da câmara e o dinheiro dos munícipes, os estragos que os temporais têm produzido nos 105 hectares do espaço murado dos anacoretas. Muito pouco tem sido feito para além do circo dos negócios, do folclore, da propaganda balofa, nula, do aproveitamento de empregos ocupados por clientela partidária onde se contam familiares de autarcas, esposas, filhos, parentes.

Os resultados estão à vista, basta percorrer o espaço para confirmar os factos. Em termos botânicos, a incompetência e o desinteresse são evidentes, a começar pelo paradoxo e absurdo de uma Mata Nacional ter sido politicamente entregue a um município que não tem conhecimentos, nem meios, nem especialistas para fazer melhor.

De profissionais que teve a Mata desde que a sua administração entrou na posse das Matas do Reino em 1876, entre os quais se deve destacar Morais Soares, outro amante do parque, passamos hoje a amadores de fundação, uma espécie de mordomia de festas populares aplicada a um património nacional. Sabendo todos o que são as fundações publicas, não admira que o jogo seja o das influências, amadorismo e falta de transparência.

E não se diga que é da crise quando as razões estão nas péssimas soluções políticas das entidades envolvidas e da falta de apoio de um governo que deitou por terra as responsabilidades que tem para com o património nacional e como tal lhe pertence. Este sonambulismo de lava mãos entrou na prática dos governantes juntamente com a gestão festeira, irresponsável e partidária, que em termos da atividade turística tem sido igualmente desastrosa. Está longe o património da UNESCO e mais perto a destruição do que resta do acerbo construído, cultural, histórico-militar e turístico da freguesia, do município e também da região e país.