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278- A TALUDA DO NATAL


tags: Ferraz da Silva Categorias: Opinião sexta, 29 novembro 2019

Se há coisas que me colocam o fígado em pé de guerra é a corrupção e a traficância política levada a cabo por aqueles a quem confiamos o nosso voto e nos agradecem, utilizando o poder que lhes cedemos na defesa nos seus próprios interesses, dos amigos e da pirâmide da clientela partidária em máfias de influências. Vamos repescar a tempos remotos, de celtas e iberos, romanos ou mouros, os genes remissivos e a força bruta do poder, acoplada à evolução por lhe ter tomado o gosto, adaptando-se a ela que nem um deus que sucedeu nos mitos a gregos, romanos, mouros e berberes, numa doutrina genética de rudimentar grandeza. Por outras palavras, tenho maus fígados para quem ajeita compinchas para negócios do Estado, para pontes Vasco da Gama, para fabulosos contratos de auto-estradas, entregas do lítio ao compadre partidário ou a quem atasca comissões com submarinos, helis ou define com artistas umas actuações no público com um cachet viciado em produtos comissionados. Nem lhes chamo chicos espertos, nem corruptos, mas ladrões de encruzilhada, Zé Telhados que são quando aproveitam os negócios pagos com os nossos impostos para benefício próprio. As marés são muitas e ludibriar às escondidas a confiança das urnas é coisa compensadora. A seriedade é urna de promessas vãs, talhada na socapa de segredos entre gente importante que saca o erário público. Pelas portas travessas, como diz o povo, travessas, atravessadas e oportunistas, ingenuamente facultadas e cobertas por quem de direito as não devias tolerar.

É irritante o nosso Chico espertismo, mas criminoso quanto baste quando se trata da ordem, dos órgãos, da devassa dentro da coisa pública, envolvendo e desviando os impostos pagos pelo cidadão para o bolso dum jeito ou dum favor. Em cada caso destes a tolerância devia ser zero e a punição um fim. Sem a exemplaridade de um castigo, a tentação é prevaricar, a rotina habituar, a genética a evoluir baseada no convite a êxito permanente. E aí temos nos costumes comuns da sociedade a cunha, o padrinho, a traficância. Não propriamente à moda da máfia italiana, onde o padrinho é padrinho, mas sim em redes de subterfúgios, de habilidade, esperteza, tantas vezes saloia.

Depois do voto que demos ao eleito e ao préstito de músicos e charamelas que levam atrás de si, justo é que o trabalho seja feito sem um untar de mãos e que a vergonhosa goma partidária se fine no começo de mandato, substituída por geringonças credíveis, sem distinção de cores ou amuletos, e cujos objectivos se concentrem no interesse nacional. Governos que fazem do Estado um gabinete gigante de correligionários, não leva o Estado ao desenvolvimento e bem-estar de todos pois, distinguindo os seus, prejudica os demais deixando de ser isento e sério.

No “farwest” mundano da coisa pública, onde há duas justiças, a dos ricos que a podem pagar e a dos pobres que, sem dinheiro, apenas a cheiram, o Estado perde a razão, a isenção e o crédito e deixa cair na rua o poder ganho nas urnas e, banalizado o sistema, espalha-se a arbitrariedade, enquanto a ilusão e a anedota se misturam e propagam. Do direito romano ao tribunal da inquisição ou até ao estado novo, podem ter alterado as leis, mas o espirito labrego dos tempos da reconquista, mantém-se inalterado!

Assim, os banqueiros que nos levam á bancarrota branqueiam-se na praça pública, um acusado de terrorismo é deixado em liberdade e dezanove ministros esticam a gamela dum gigantesco poleiro na pequena envergadura dum reino liliputiano. Aos habitantes desse burgo prometem-se mundos e fundos, traduzidos em quatro euros de aumento mensal para todo o servidor. Parecendo uma brincadeira de crianças, é a realidade da causa, entre outras realidades da corda bamba onde o cidadão coabita.

Há anos decorre um inquérito a um político que ainda não foi acusado. Culpado ou não culpado, os meses passam, os anos correm, os prazos vingam. A justiça arrasta-se a passo de caracol entre as investigações que se fazem, uma espécie de telenovela desenrolada em episódios fortuitos num melodrama sarcástico que tens fins promocionais. Um réu de vida faustosa nas grandes capitais, boas moradias, arcários e secretários, rendimentos duvidosos. E a colmatar as coisas, à mãe do presumido sai a sorte grande, a taluda, milhões, perante a escassez dos meios face á gigantez dos gastos. Uma série que se rasta á procura de happy end para o fim desconhecido dum político recente.

É aqui que o circo, suposto de porta aberta, nos faz rir. A taluda é tão grande e os milhões são tantos, que é caso para dizer, se a esmola é grande o pobre desconfia! Ficou por esclarecer se foi obra de mágico, de fada de condão, bruxa televisiva, golpe de ilusionista ou milagre das rosas! Com o apoio e julgamento prematuro dos meios de comunicação social, e essa coisa abrangente e moderna que são redes sociais, onde a ignorância e a patetice, de vulgar nascem em vão, espalhando o mal pelas aldeias!

Luso, Novembro,2019