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João Pega
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Diária

“Carta aberta aos leitores do Jornal da Mealhada”


Categorias: Opinião quinta, 19 março 2020

Queridos amigos, leitores do Jornal da Mealhada, permitam-me que escreva esta crónica à maneira de carta, neste momento tão delicado e difícil das nossas vidas. É uma das formas de querer dizer-vos que me uno a todos e a cada um de coração, tendo-vos presentes na minha preocupação e no meu coração.

Interessante! Há poucos dias, discutiam-se «muros» e «barreiras» para que não entrassem mais emigrantes na nossa sociedade, para não prejudicarem as nossas vidas cómodas. Falávamos de orçamentos, dividas publicas, de futebol, etc. Sei lá…, tanta coisa, que na altura era importante! Na televisão, entre as garfadas de um prato quente, ao jantar, víamos milhares de pessoas que, há meses, não podem sair de um campo de refugiados…!

De um momento para outro, ficamos desorientados! Um «bichinho», invisível e silencioso, provocou o medo generalizado e recordou-nos uma verdade, tantas vezes esquecida, a saber: percebemos muito pouco da vida e não a controlamos em quase nada! Esse maldito vírus obriga-nos a parar e consigo traz uma questão: afinal, qual é a segurança da tua vida? Sim! É o teu dinheiro, por muito que seja? São as tuas ideias e opiniões, por mais brilhantes que pareçam? É o cargo que exerces ou poder que tens? Tantas questões para as quais, de repente, não temos resposta.

Um bom homem, destas paróquias, dizia-me, no sábado passado, com alguma angústia na voz:

 

- Senhor Padre, isto é pior que a guerra. Nem temos para onde fugir, nem como nos esconder!

 

É isso mesmo. Parece que vivemos aquela situação aflitiva de sermos confrontados com provas verdadeiras que desmascaram uma mentira muitas vezes repetida e ficamos sem argumentos, sem capacidade de reagir.

Os próximos tempos vão ser muito exigentes a tantos níveis que obrigarão a que todos façamos grandes sacrifícios. Não só para vencer a terrível pandemia, mas para curar as feridas e apagar as marcas que deixará na vida de cada um. Não nos há de faltar a coragem, a força e ajuda de Deus.

Entretanto, o recolhimento, mesmo que obrigatório, poderá ser uma oportunidade para revermos a memória do nosso viver. Por outras palavras, para avaliar como tem sido a nossa vida, uns com outros, desde a família ao trabalho. Andamos a correr atrás de quê? Que felicidade queremos alcançar?

Depois, seria também importante compreender quem temos no coração. Não se trata só de quem vive connosco, da família, dos amigos. Mas, quem são aqueles que amamos e como os amamos? Mais ainda, quem me ama verdadeiramente?

Por fim, nós, os cristãos vivemos em Tempo de Quaresma, como preparação da Páscoa, a grande e verdadeira festa da Vida e da Fé! Seria conveniente, mesmo nestas circunstâncias tão complexas, questionar-nos sobre lugar Deus na nossa vida. Que espaço dou a Deus no meu coração? Que tempo da minha vida dou eu a Deus, para que me ame, para que seja força amorosa? Com efeito, já dizia o Apóstolo São João: «quem tem medo, não é perfeito no amor». Não tenho dúvidas, que a perfeição do amor acontece em cada pessoa quando esta se deixa amar por Aquele que é Amor

Com ousadia, quero pedir, aos que quiserem, que rezem diariamente esta oração, até a saberem de cor. Sei bem que, agora, estamos a viver estes «abismos de amargura», as «tempestades» estão a assolar o nosso dia-a-dia, o «deserto» do isolamento e da solidão nos fazem sentir perdidos, e até o «abandono» dos outros nos atemoriza…

Mas, rezemo-la, pois Ele é a «Luz», a «Paz», a «Vida»…! Só n’Ele, encontraremos verdadeiramente o que a nossa vida, agora e sempre, precisa!

 

Se me envolve a noite escura

e caminho sobre abismos de amargura,

nada temo porque a Luz está comigo.

 

Se me colhe a tempestade

e Jesus vai a dormir na minha barca,

nada temo porque a Paz está comigo.

 

Se me perco no deserto

e de sede me consumo e desfaleço,

nada temo porque a Fonte está comigo.

 

Se os descrentes me insultarem

e se os ímpios mortalmente me odiarem,

nada temo porque a Vida está comigo.

 

Se os amigos me deixarem

em caminhos de miséria e orfandade,

nada temo porque o Pai está comigo.

 

Se me envolve a noite escura

e caminho sobre abismos de amargura,

nada temo porque a Luz está comigo.

 

Termino por vos dizer que acredito que todos iremos superar este momento tão difícil, pelo o esforço que cada um fará. No Verão, com calor, mas também com alegria e fé, havemos de celebrar para agradecer a Deus a vitória de todos!

Por fim, ficai certos que estarei convosco.

 

P. Rodolfo Leite