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É uma dor termos a nossa vida em suspenso…


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião sexta, 03 abril 2020

Nestas últimas semanas, o telemóvel não tem parado. Umas vezes para chamar e muitas outras para atender aqueles a quem sirvo como Pároco e a tantos outros, a quem a amizade nos une. Embora seja estranha e até insuficiente esta forma, agora, de comunicarmos e vivermos a comunhão, é a possível e a mais responsável. Na verdade, todos temos e devemos ficar em casa!

Numa dessas conversas telefónicas, alguém partilhava comigo, com algum orgulho até, que «não tem saído de casa». Embora com sofrimento, tem sido zelosamente responsável no cumprimento das normas e das indicações que as autoridades a todos têm proposto.

Conversámos bastante e até rimos sobre a sua vida atual e as coisas que nela vão acontecendo. Com efeito, já não estávamos habituados a viver em casa!

A certa altura, já nas despedidas, disse-me:

 

- Depois de isto passar, preciso de falar consigo. Sabe, agora, porque tenho mais tempo, há muita coisa que me vem à mente. De noite nem consigo dormir, ou acordo muito cedo e fico a pensar na vida! Coisas do passado, pessoas e acontecimentos… tudo me lembra!

 

Percebi, que havia algo que me queria dizer, mas que não era possível através do telefone. Entretanto, terminou:

 

- É uma dor termos a nossa vida em suspenso com esta situação. Que coisa terrível, senhor padre, não sabermos o dia de amanhã. O que nos pode acontecer…! Depois, o tempo não dá para nada…, ou melhor, temos tempo a mais e não sabemos o que havemos de fazer…

 

Lá a tentei confortar, prometendo-lhe que depois de tudo isto passar, falaríamos. Agora era tempo de coragem, confiança e paciência. Deus não falhará, mas cada um tem de fazer a sua parte, num esforço comum que exigirá cada vez mais sacrifícios.

Mais tarde dei por mim a pensar naquela conversa. Com efeito, uma das coisas que esta maldita pandemia está a provocar é o sentimento generalizado de «ter a vida em suspenso». Não sabemos bem o amanhã, não conseguimos fazer projetos ou marcar datas seja para o que for. Parece que, na nossa vida, agora, nada é certo e seguro.

Talvez por isso, comecemos a dar espaço, em cada um de nós, a uma ansiedade que torna a relação com os outros que nos rodeiam mais difícil, mais tensa e mais desgastante. Sofremos por antecipação, agigantamos os problemas insignificantes, valorizamos em excesso o que é irrelevante e, pior, os nossos gestos e palavras vão-se tornando tão precipitados e reativos que nos deixam esmagados pela angústia que provocam em todos os que connosco vivem.

Tem mesmo cabimento perguntarmo-nos se, então, vale ou não a pena sonhar? Sim! Não é o «sonho que comanda a vida» (A. Gedeão). Sonhar, para quê? Sobretudo, no meio de um «pesadelo» como este que nos toca e como que nos desfaz, porque nos vai «tirando a vida» que escolhemos e até sonhamos, ficando reféns da incerteza, da insegurança, do indefinido… Sentir a vida em suspenso é doloroso, não ser capaz de sonhar a vida é torna-la penosa.

Nestes tempos, mesmo no meio desta «tempestade» que atinge a todos, convinha ir à procura, dentro de nós, sem sairmos de casa, dos sonhos que nos movem, ou moveram; das certezas que temos, ou tínhamos; daquilo que nos entusiasmou e tornou belo e saboroso o viver de cada dia. Não é uma tarefa fácil, pois exige o esforço de assumir, com verdade, o que fomos e o que somos, hoje. Reconhecer, com humildade, as falhas e os erros provocados, assim como as vitórias e as certezas conquistadas. No fundo, cada um poder reconciliar-se com a sua história e com sua vida.

Depois, sermos capazes de viver a «calma» para nos ajudar a dar o devido valor e o lugar certo a cada coisa. Um bom amigo, na sua página do Facebook, citou uma frase muito significativa de Emmanuel Kant: “A paciência é a fortaleza do débil e a impaciência a debilidade do forte!”. Os próximos tempos vão exigir, de todos e de cada um, muita paciência. Aliás, na debilidade que nos atinge, sem exceção de ninguém, é das poucas coisas que nos pode fortalecer.

Por fim, como seria bom filtrarmos um pouco aquilo que vamos vendo e ouvindo, nas redes sociais e na televisão. Atenção! É muito importante mantermo-nos informados. As novas tecnologias permitem o acesso a um mundo infinito de factos e números, mas também geram e desfazem expectativas e ilusões. Há que ter «filtros», isto é, importa sabermos parar e libertarmo-nos dos números... Nem tudo interessa. Nem tudo é verdadeiro ou tem uma base científica. Normalmente, demasiada informação já não esclarece, confunde. Defendamo-nos, a nós e à nossa família, de tantos números, sem rosto, sem nome, e pior, alguns, sem verdade!

Estou profundamente convencido que só poderemos viver os próximos tempos que se avizinham, com as dificuldades que consigo trazem, se estivermos reconciliados connosco mesmos, se formos pacientes e se soubermos ter «filtros» no que vemos e ouvimos. Depois, venceremos a ansiedade e não sentiremos a nossa vida em suspenso. Perceberemos cada vez mais o que somos, o que poderemos ser e, até, o que Deus quer de nós.