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A compaixão na mente de uma criança


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião quarta, 07 outubro 2020

Há umas semanas atrás, quando ia para recolher as meninas ao jardim escola, frente à residência paroquial, abordou-me sobre a forma de como poderia ajudar aqueles que, com esta pandemia, estão a passar maiores necessidades.

Vi no seu olhar e nas suas palavras algo mais que uma preocupação de generosidade momentânea pela atual situação ou um qualquer tipo de protagonismo. Descortinei sim uma sensibilidade mais profunda que tem a ver com aquela forma de estar na vida, tendo em conta os outros, em especial, os mais frágeis e pobres que nos rodeiam. Aquela maneira de viver com os outros que faz com que se consiga por no seu lugar, superando julgamentos e moralismos inadequados e inoportunos, mas sentido as suas dores e o seu sofrimento.

Respondendo à sua pergunta, falei-lhe que, na paróquia, havia um Grupo da Ação Sócio Caritativa que estava a acompanhar várias dezenas de famílias e ajudava, muitas delas, com bens e alimentos, conforme as necessidades e de forma justa e adequada. Indiquei-lhe o nome das pessoas responsáveis e fiquei por aí.

Por estes dias, numa reunião de catequistas, ela deu um testemunho significativo. Quando perguntou à filha o que queria de prenda de anos, esta respondeu-lhe que não queria nada, somente material escolar para dar aos meninos que mais precisavam.

A mãe disse-o com uma emoção tal que contagiou todos os que a escutavam.

Entretanto, a filha já tinha andado a fazer contactos com os colegas e as colegas para fazerem um grupo, onde cada um vivesse a partilha e todos ajudassem outras crianças com mais dificuldades. Segundo a mãe, já são muitos os que aceitaram o desafio, embora outros não!

Fiquei deliciado quando me narraram este facto e imediatamente percebi, de novo, que há acontecimentos e pessoas, na vida, que superam em muito as lógicas reinantes e as medidas calculistas com que se pretende resolver os problemas dramáticos e reais que a muitos atingem. Aliás, estou cada vez mais convicto que o sofrimento, a dor, a injustiça… não se resolvem com os «mestres» que debitam teorias e estratagemas, nas televisões, nos jornais e nas redes sociais. Resolvem-se com aqueles que fazem do amor um estilo de vida concreto e o testemunham com simplicidade.

Há anos, o Papa Paulo VI afirmava “O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas”. Sim! A maioria dos problemas resolvem-se com o testemunho de vida de pessoas adultas, de pais e mães, como aquela, que, no seu viver, dão um testemunho real, concreto e comprometido de valores, princípios e comportamentos carregados de bondade e de generosidade. Isto apesar de um mundo cheio de teorias e opiniões tóxicas que empestam o nosso dia-a-dia, sem coerência com qualquer princípio e inconsequentes com a realidade!

Já agora, não sei, obviamente, que alcance terá a atitude e o comportamento daquela criança, mas sinto que, como padre, posso rezar, por tudo isto, com as humanas e divinas palavras de Jesus: “Eu te bendigo, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos” (Mateus 11, 25).

 

P. Rodolfo Santos Oliveira Leite