Numa conversa com uma pessoa amiga, perguntava-lhe qual era o seu sonho. Depois de uns breves momentos de silêncio, respondeu-me convictamente:
- O meu sonho são os meus filhos.
Não me espantou a resposta, pois conheço bem a entrega desmedida, sacrificada e, sobretudo, amorosa com que é e como é mãe.
No entanto, insisti na questão e voltei a perguntar-lhe sobre qual seria o sonho da sua vida, referindo-me ao seu viver, à sua pessoa, à sua história e à sua condição. Sabia à partida que não me iria responder com banalidades ou coisas fúteis, pois já não tem idade para tal.
Fez silêncio de novo e, de forma habilidosa e inteligente, não concretizou a resposta. Não porque não a tivesse, mas porque os ritmos e as correrias da vida, com a cabeça cheia de preocupações e solicitações, nem sempre lhe permitem organizar o coração para sonhar. Sim! Os sonhos da vida são gerados no coração, quando há tempo para sentir e saborear o palpitar ritmado do amor que nele se dá e nos faz viver.
Anda por aí muita confusão quando cada um começa a pensar no sonho da sua vida. Uns julgam tratar-se de uma mera atividade mental que se manifesta durante o sono e da qual, ao acordar, se pode conservar certa lembrança, muitas vezes, com aspetos pouco lógicos e até cómicos. Outros julgam que sonhar é como um conjunto de ideias e de imagens que perpassam o espírito durante o sono, ou até aquilo que é produto da imaginação, da fantasia, do devaneio.
Há também quem confunda o sonhar com aqueles desejos profundos nos quais se devem focar, a todo o custo, todas as energias que se possuem, ou uma qualquer aspiração insaciável que se vai alcançando, gradual e progressivamente nas lutas do viver de cada dia.
Por fim, há ainda alguns que, quando começam a refletir o sonho da vida, fixam-se só naqueles projetos que por muito que sejam calculados e arquitetados, a sua execução parece fatalmente difícil ou impossível, isto é, não passa de uma mera utopia ou ilusão. Já para não falar nos visionários que topam nos sonhos uma visão quer de algo muito belo ou agradável, ou de alguma coisa terrível ou nefasta.
Na verdade, nestes tempos tão sombrios e incertos, por causa de uma pandemia descontrolada, parece que é mesmo difícil sonhar a vida. Andamos todos com o coração apertado e com a mente escravizada com os medos e as desconfianças que a ditadura dos números e dos dados televisivos diariamente nos provocam. Depois, não sabemos até onde vai levar isto tudo que estamos a passar. Se o amanhã é incerto, para quê sonhar?
Contudo, estou profundamente convencido que, nestes tempos que vivemos, é urgente sonhar, ou melhor, é preciso rapidamente cada um reencontrar-se com o sonho da sua vida, no concreto da verdade do que é, sem fantasias, sem ilusões, sem máscaras, ou sem qualquer tipo fingimento. Os sonhos só são de todo impossíveis para aqueles que vivem a fazer de conta!
Aliás, esta crise, sem fim à vista, é o momento propício para voltarmos a usar o nosso coração para que dele possa emergir o sonho de cada um, aquele “que comanda a vida” (A. Gedeão). Basta parar e captar quanto amor em nós existe, quanto amor podemos dar, quanto amor podemos acolher, no fundo, quanto amor podemos viver entre nós. É verdade! Só sonha quem ama e amar é começar a tornar real o sonho da vida de cada um. Se assim acontecer, perceberemos até que os nossos sonhos coincidem com o «sonho» de Deus para cada um de nós.
Já agora, recordo-me muitas vezes de uma frase do escritor francês Victor Hugo, na sua monumental obra «Os miseráveis» onde afirma, mais ou menos assim: “Mais facilmente se julgará um homem segundo os seus sonhos do que segundo os seus pensamentos”. Intoxicado com tantas opiniões antagónicas e ideias contraditórias do nosso viver comum e pessoal, cada vez gosto mais de saber qual é o sonho da vida daqueles que comigo se cruzam no viver de todos os dias. Pelos menos, descortinarei melhor se vivem de coração, o amor. Afinal, isso é o que interessa!
P. Rodolfo Santos Oliveira Leite