Diretor: 
João Pega
Periodicidade: 
Diária

Eu não acredito no amor. Será que não tenho futuro?! | Opinião


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião quarta, 17 novembro 2021

Foi uma conversa franca e sem freios. Há muito que precisava de se abrir e desabafar, mas não tinha tempo nem sabia com quem. Naquela tarde, falou muito de si, do seu passado e do que estava a viver atualmente. A certa altura da conversa, perguntei-lhe:

- Como vai ser o teu futuro?

Respondeu-me somente: - Eu sei lá!

Depois de esperar uns momentos, para ver se dizia algo mais, provoquei-a.

- O futuro de qualquer pessoa começa sempre por saber conjugar o verbo amar.

Ela, fechando os olhos, num tom de voz pesado e triste, disse-me:

- Eu não acredito no amor. Será que não tenho futuro?!

Entretanto, o telemóvel tocou. Atendi e do outro lado alguém me disse:

- Esqueceu-se do funeral?

 

Despedimo-nos apressadamente e ficámos de voltar a conversar. Ao final do dia, já tarde, escutando um pouco de música – o Il Divo –, pensei naquela pessoa e na pergunta que ficou em suspenso. Não tenho dúvidas que, nestes tempos que correm, a maior contradição ao amor e o que faz não acreditar nele vem da falta de tempo, do não dar ao outro a própria presença. Os ritmos da vida, os compromissos, as múltiplas coisas a fazer…, devoram-nos o tempo; de maneira que, apesar de termos tempo para muitas outras coisas, deixámos de ter tempo para as coisas gratuitas, aquelas que não nos trazem lucro. Falta-nos o tempo do encontro: encontramos as pessoas que temos de encontrar por muitas razões, melhor, procuramos multiplicar os encontros que possam “render”, mas deixou de haver tempo para o encontro que não nos faz lucrar. Dar tempo por amor, dar a presença ao outro, sem fazer nada, e inclusive sem dizer nada, parece-nos até tempo desperdiçado. No entanto, não há amor onde não há tempo para a presença de um ao outro.

Depois, para acreditar no amor, é também preciso ter a perceção que o outro a quem amo, é um corpo com quem devo relacionar-me, um corpo que espera de mim atitudes, uma linguagem, porque para comunicar, os corpos têm de se exprimir. Trata-se, portanto, de reconhecer o corpo do outro realmente, e não de o definir apenas com base em critérios de beleza, de sedução e de saúde. Para “encontrar” o outro é necessária muita atenção, muita sabedoria, muito exercício para disciplinar as emoções e os sentimentos: não se pode amar o outro apenas porque agrada. É fácil experimentar a atração por quem é belo e jovem, mas para amar é preciso acolher, antes de tudo, esse corpo concreto que o outro é, porque a sua vida que quero e devo encontrar está inscrita naquele corpo, nos seus olhos, nos seus lábios, nas suas mãos… O outro não tem um corpo: é um corpo!

Para acreditar no amor é preciso ainda aproximar-se do outro e entrar em diálogo com ele. Inicia-se tudo na escuta do outro, ficando em silêncio, por vezes escutando mesmo o seu silêncio. Escutar o outro para acolher o que ele é; escutá-lo para conhecer aquilo que ele traz no coração e me quer comunicar; escutá-lo para fazer crescer o amor; escutá-lo para me predispor a reconhecê-lo e a viver com ele os “sonhos” do coração. Depois, dizer “algo” que se resume a uma palavra simples e, contudo, tão decisiva: «Amo-te»; palavra dita em sinceridade, dita como confissão e promessa. Nesta palavra joga-se «o sentido da eternidade» que cada um traz em si. Só assim se acende a comunhão, em comunicação de palavras, de silêncios, de gestos, de olhares, de um “tocar” o outro. Tudo isto empenhando o coração, a mente e o corpo com as suas atitudes.

Por fim, para acreditar no amor são decisivas a capacidade e a vontade de saber perdoar. Perdoar é amar com coragem, é acreditar que o amor que se vive é mais forte que as contradições que recebe. Quem tem um coração que sabe perdoar, tem um coração grande, habitado pelo amor, um amor que sabe acolher do outro não só a beleza, as virtudes, os dons, mas também os defeitos, as fragilidades e as misérias. Por vezes, o caminho de quem ama é ferido, porque é impossível de percorrer. Aí, há que permanecer à espera…! Sim, exige uma paciência sofrida, mas o amor, nunca acabará (1Cor. 13, 13), por isso vencerá. Aliás, é assim a vitória do amor sobre a morte, que já podemos experimentar aqui, neste mundo, até que “chegue” o Céu, onde vencerá o Amor, porque estaremos eternamente com Deus!

Padre Rodolfo Leite