
Estamos a iniciar um novo ano, ainda profundamente marcado pelas alterações significativas que a pandemia trouxe à vida de todos, mas também por tudo aquilo que ela veio pôr a descoberto. As incertezas ainda são muitas do que vai acontecer, mas mesmo assim vamos todos procurando retomar, na medida do possível, a vida normal, como alguns momentos festivos, a que a passagem de ano não foi exceção.
Apesar das limitações superiormente determinadas e para além dos rituais, das passas e dos brindes, que existiram ou não, acredito que todos fizemos imensos votos e manifestámos vários desejos, de olhos abertos ou fechados, para este novo ano. Uns já sabemos, à partida, que serão impossíveis, outros, quem sabe, talvez se realizem. Mas, faz bem e é preciso comemorar o tempo e os acontecimentos, sonhar e ter esperança, conviver e partilhar, a vida presente e o que dela queremos, no futuro.
Contudo, em muitas conversas, sobretudo pelo telefone, que fui tendo nestes últimos dias e das imensas mensagens recebidas, fiquei surpreendido com alguma superficialidade do que desejamos para nós e para os outros. Não me refiro ao desejo de saúde, pois esse é válido e valioso. Refiro-me sim a tantos outros que nada significam na vida e pouco têm a ver com quem os faz ou a quem se dirigem. Não querendo ser deselegante, parece-me que muitos dos nossos desejos são vãos, embora simpáticos e apetecíveis.
Mas, quando se pensa no amanhã, nunca podemos abdicar da verdade do que somos, das nossas capacidades e limitações, e, ao mesmo tempo, da realidade que vivemos e onde nos situamos. Estou plenamente convencido de que muitos sonhos e desejos que possuímos levar-nos-ão, mais cedo ou mais tarde, ao vazio do fracasso e à tristeza de termos perdido o tempo e as forças da vida, porque não eram mais que coisas vãs.
Já agora, por estes dias, lia um belo soneto de Florbela Espanca, intitulado Desejos vãos. Recordei-me que a fadista Mariza o interpreta de forma belíssima. Proponho, então, aos nossos leitores, que, nestes primeiros dias do novo ano, tiremos um pouco de tempo para ler, escutar e meditar este belo texto desta jovem poetisa. Tenho a certeza que nos fará bem! Feliz ano de 2022!
Desejos vãos…
Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!
Eu queria ser o Sol, a luz imensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa Que ri do mundo vão e até a morte!
Mas o Mar também chora de tristeza...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!
E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras ... essas ... pisa-as toda a gente!...
Florbela Espanca, in “Livro de Mágoas”
Padre Rodolfo Leite