Diretor: 
João Pega
Periodicidade: 
Diária

É preciso, antes de tudo, reaprender a ouvir, a escutar... | Opinião


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião quarta, 26 janeiro 2022

Foi no final da missa do Domingo da Sagrada Família, a seguir ao dia de Natal. Tinha sido uma celebração serena, bela e emocionante. O grupo da Pastoral Familiar da Unidade Pastoral, tinha preparado a celebração, tendo em conta as mais de 500 famílias que, ao longo deste tempo de Pandemia, sofreram o luto de uma forma diferente e, porque não dizê-lo, pouco humana. Sim! Quando não nos despedimos devidamente, com presença, gestos e não choramos com tempo os que nos morrem, tudo fica com um sabor a desumano!

O senhor Bispo de Coimbra esteve presente e deixou uma mensagem marcante: “a família é o lugar primeiro, onde havemos de dar, uns aos outros, o conforto perante as nossas mágoas e fragilidades, mas também o lugar onde havemos de experimentar o ressurgimento da esperança e da coragem, porque damos espaço a Deus e deixamos que Ele atue em nós e, através de nós, nos que connosco vivem”.

A celebração terminou de forma festiva, num tom cordial e de grande comunhão entre os muitos presentes. No cortejo de saída, o cântico final e a saída das pessoas provocaram a agitação habitual e um pouco ruidosa. O senhor Bispo, enquanto se dirigia, para o fundo da igreja, foi saudando as pessoas, com simpatia e candura. Entretanto, parou no último banco e começa a conversar com a D. Rosa.

Ela, da aldeia da Lendiosa, tem 94 anos, e quase nunca falta à missa. Com imensa dificuldade em andar, tem uma postura sofridamente curvada, pelos muitos anos de trabalho duro, sobretudo no campo, e pela dureza de um viver que nem sempre foi fácil. Além da vivência de uma fé inabalável, mas também simples e pura, não deixa, ainda hoje, de trabalhar na terra! Não por causa do dinheiro, mas porque sabe que o trabalho, por muito pouco que faça, lhe dá muito o gosto de viver que pouco mais lhe pode dar!

Contudo, fiquei deliciado ao ver aquela cena, como que contemplando uma imagem profética. Por um lado, a fragilidade e pequenez, daquela senhora, como que a representar a todos e a cada um de nós, nestes tempos de pandemia e de tantas outras crises que nos querem esmagar; por outro lado, a altura e a robustez física do senhor Bispo, a representar a Igreja que todos formamos que, sem deixar de ser limitada e de ter as suas misérias, vive erguida pela força do Amor de Deus.

A certa altura, o gesto mais impressionante! O senhor Bispo, apesar dos paramentos que o revestiam, inclina-se, pois, o ruído de fundo e as máscaras estavam a dificultar a comunicação, de a poder escutar com o coração de pastor. Depois de uns breves momentos, faz um gesto de ternura à D. Rosa. Esta, emocionada e humildemente, agradece, querendo curvar-se ainda mais, não ao «poder» de um Bispo, mas à ternura que ele lhe transmitiu.

Mais tarde, veio-me à mente aquela cena. Pensei nesta Igreja à qual pertenço, com tantos que comigo procuram, no dia-a-dia, fazer vida e vivo o Evangelho. Sem grande esforço, confirmei, mais uma vez, que a nossa missão começa pela capacidade de nos curvarmos, humildemente, para escutar primeiro, com o coração, todos os que vivem quebrados pelo sofrimento, pela dor e pelo desamor das duas vidas. Escutar, mesmo no meio dos ruídos, de tantas proveniências, ainda que mascarados pelos falsos e apetitosos discursos da moda. Depois da escuta, vem a transmissão da ternura que é o perfume do Amor com que Deus nos enche e preenche, quando a Ele abrimos o coração e a as nossas vidas.

Já agora, na Igreja ou em qualquer outro lado, o diálogo e a relação, entre as pessoas, começam sempre com a escuta. Numa época onde tanto se fala em recuperação e crescimento, a todos os níveis, dos projetos e planos, é preciso, antes de tudo, reaprender a ouvir, a escutar... Mas, para escutar realmente é preciso a coragem de parar e calar, de se curvar e de ter um coração livre e aberto, sem preconceitos nem preceitos. Que belo desafio ao iniciar um novo ano: redescobrir a escuta como essencial para uma boa comunicação entre todos. Se assim for, tudo começará a mudar em nós e naqueles que nos rodeiam, pois a comunicação é a primeira etapa da experiência de comunhão.

Padre Rodolfo Leite