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O silêncio só nos faz bem! | Opinião


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião segunda, 07 fevereiro 2022

Fui fazer-lhe a visita há muito prometida. Vive só com o marido, já doente. Ambos de idade avançada. Os filhos estão longe porque a «vida» assim o destinou! As limitações físicas, dela e dele, obrigam-nos a ficar, praticamente, sempre em casa. Ela ainda tem alguma autonomia, mas já precisa da ajuda do Serviço de Apoio Domiciliário, do Centro Social. Bati à porta e lá de dentro ouvi:

- Entre que está só com o fecho!

Fui encontrá-la na sala, junto ao aquecedor. A tarde estava a ficar fria. Olhou para mim e, com um sorriso sereno e simpático, disse-me:

- É o senhor padre?

Respondi afirmativamente, acenando a cabeça.

- Desculpe, mas as máscaras não nos deixam conhecer logo as pessoas. Até que enfim! Já pensava que nos tinha esquecido. Que bom! O meu marido já foi para a cama. Coitadito! Já nem uma conversa com tino é capaz de ter!

Entretanto, sentei-me numa cadeira, com alguma distância, por causa dos cuidados que a pandemia nos obriga. Ela lá foi contando, detalhadamente, as imensas coisas do seu viver. Deixei-a falar, sem nunca a interromper, num silêncio atento, pois percebi que precisava de ser escutada, para além das palavras que me dizia. Passado um bom bocado, resolvi perguntar-lhe:

- Sofre muito com tudo isso? Sobretudo, o facto do seu marido já pouco ou nada conversar!

Ela sorriu e disse-me:

- Custa um pouco! Mas é também uma grade ajuda. O silêncio dele não esconde o que sente por mim. Eu sei que ele, apesar dos defeitos, gosta muito de mim! Sempre gostou! Não fala, mas consigo perceber os seus sentimentos. Depois, ele ouve-me. Às vezes, estou a falar das coisas passadas. Ele nada diz, mas sei que me ouve! Isso já é tão bom!

Perguntei-lhe, depois, como é que consegue viver, quase sempre, no meio de tanto «silêncio». Ela respondeu prontamente:

- O silêncio só nos faz bem! Dá-nos paz e ajuda-nos a pôr as contas da vida em dia!

Fiquei surpreendido com a profundidade da sua resposta. Ela apercebendo-se, lá me foi explicando o que queria dizer e eu, no meu íntimo, ia concordando com ela. Entretanto, já tinha passado mais de uma hora desde que chegara e tinha de seguir, pois havia ainda muitas voltas a dar. Despedi-me dela e prometi passar depois para continuarmos a conversa.

Mais tarde, já de regresso a casa, depois das reuniões da noite, veio-me à mente aquele encontro de fim de tarde e a lição que aprendi sobre o silêncio. Com efeito, só o silêncio torna possível a escuta, isto é, o acolhimento em si, não apenas da palavra pronunciada, mas também da presença daquele que fala, ou até nada diz. O silêncio é também uma linguagem privilegiada de amor, de profundidade, de presença ao e do outro. Mais, ainda: na experiência do amor verdadeiro, o silêncio é, muitas vezes, uma linguagem mais eloquente, intensa e comunicativa do que as palavras.

Infelizmente, hoje, o silêncio é raro, talvez seja a realidade mais ausente nos nossos dias: somos bombardeados por mensagens sonoras e visuais, os ruídos roubam-nos da nossa interioridade, e as próprias palavras são empobrecidas pelo facto de serem gritadas, reduzidas a meros e superficiais «nadas». Estou convicto de que precisamos de silêncio! Ele é necessário também do ponto de vista puramente antropológico, porque o ser humano, que é um ser de relação, comunica de modo equilibrado graças à harmónica relação entre palavra e silêncio. Depois, no “silêncio, é inerente um maravilhoso poder de observação, de esclarecimento, de concentração sobre as coisas essenciais” (Dietrich Bonhoeffer).

O silêncio escava no nosso íntimo um espaço para ali fazer habitar a alteridade, para fazer ressoar a palavra e, ao mesmo tempo, dispõe-nos à escuta inteligente, ao falar comedido, ao discernimento daquilo que arde no coração do outro e que está escondido no silêncio do qual nascem as suas palavras. O silêncio, então, esse silêncio, suscita em nós a caridade, o amor, a entrega...!

Já agora, tentemos encontrar, nos ritmos da nossa vida, um tempo para ouvir o silêncio, para discernir os sons impercetíveis da presença dos outros ao nosso lado, compreender o não dito que habita a grande quantidade de palavras que nos dizem, a ter inteligência do que acontece – ou seja, literalmente, a «ler por dentro» do que se passa e com quem se passa– e, finalmente, também ouvir-nos melhor a nós mesmos e aos outros, quando eles falam ao nosso coração e à nossa mente, e não só aos nossos ouvidos.

Padre Rodolfo Leite