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Liberdade, responsabilidade e amor… | Opinião


tags: Padre Rodolfo Leite Categorias: Opinião sexta, 18 fevereiro 2022

"Tudo quanto aumenta a liberdade, aumenta a responsabilidade” (Victor Hugo). Que escolhas faríamos se tivéssemos liberdade total – no amor, no trabalho, na vida? É possível falar de liberdade sem falar de responsabilidade? Ou será que até as pessoas aparentemente mais livres vivem sob um conjunto de responsabilidades?

 

1. A liberdade é um dos valores que mais apreciamos. Sentimo-nos mais entusiasmados e felizes quando temos liberdade para escolher o nosso caminho – seja ele amoroso, profissional ou religioso. Sabe-nos bem saber que podemos escolher onde queremos viver, com quem queremos viver, como é que queremos viver. Gostamos da ideia de sermos donos do “nosso nariz” e de podermos escolher o modelo do nosso carro, a forma como nos vestimos ou aquilo que comemos. Gostamos de nos sentir livres! Mas será que isso significa que desejamos uma vida sem responsabilidades?

A verdade é que, para a maior parte de nós, isso simplesmente não faz sentido. Não há liberdade de escolha sem que haja consequências. Quando saímos de casa dos nossos pais, até podemos gritar aos sete ventos que, agora sim, somos livres para fazermos as nossas escolhas sem ter de dar satisfações a ninguém. Mas, esta escolha implica um vasto conjunto de responsabilidades. Quando compramos o nosso primeiro carro, percebemos que à liberdade de nos movimentarmos, sem os constrangimentos das boleias, se associa a responsabilidade de contratar um seguro, assegurar a manutenção e cumprir com as regras de trânsito.

 

2. Mais, ainda! Quando vivemos sob a autoridade de outros é fácil apontar-lhes o dedo e queixarmo-nos da rigidez das regras. À medida que amadurecemos e, sobretudo, quando somos nós a assumir a autoridade, damo-nos conta de que a liberdade que se dá aos outros tem de andar de mãos dadas com a responsabilidade e com as regras. Verificamos que a liberdade sem regras é um caminho fácil para a frustração, para a desmotivação e para que se corram riscos desnecessários. Quando oferecemos aos outros, por exemplo aos filhos, a liberdade de fazerem determinadas escolhas ao mesmo tempo que exigimos o cumprimento de certas responsabilidades, estamos a ajudá-los a lutar pela própria felicidade. Estamos a mostrar-lhes que, na vida, temos a enorme felicidade de fazer escolhas, mas precisamos de conseguir olhar para a realidade como ela é e reconhecer que cada escolha acarreta consequências – para nós e para as pessoas que queremos que façam parte da nossa vida.

 

3. É esta aliança poderosa que nos permite olhar para o mapa da nossa própria vida e perceber que todos os caminhos têm consequências boas e más. Percebemos, por exemplo, que um patrão tanto tem uma liberdade invejável, como tem responsabilidades que o trabalhador por conta de outrem não tem. Damo-nos conta de que, se quisermos ser “donos do nosso tempo” e trabalhar a partir de casa, sem horários para cumprir, podemos ser “obrigados” a trabalhar fora de horas ou a responder a e-mails no meio de um compromisso familiar. Olhamos para a possibilidade de fazermos poupanças (ou não) e percebemos que cada escolha implica liberdade e responsabilidade. E, damo-nos conta de que só somos verdadeiramente livres quando assumimos as nossas responsabilidades com maturidade.

 

4. Para a maior parte das pessoas, o amor só faz sentido se permitir a liberdade de cada um. É uma das minhas maiores convicções, como pessoa, e, por isso, posso garantir que o amor verdadeiro é a maior fonte de liberdade que existe. Quando construímos uma relação emocionalmente íntima e segura com alguém que nos aceita exatamente como nós somos, e que nos incentiva a concretizar os nossos sonhos, em vez de nos aprisionar e de nos condicionar, somos tão felizes quanto é possível ser. Mas, isso não significa que haja amor sem responsabilidade. “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” (Saint-Exupéry). Isso significa que não podemos simplesmente fazer aquilo que nos apetece sem pensar nas consequências. Não podemos dizer tudo o que pensamos e de qualquer forma. O amor não é isso! Amar é prestar atenção ao que o outro é e fazer escolhas que o tornem feliz. Amar é ceder, é dar satisfações e é reconhecer que há um bem maior e mais gratificante do que a possibilidade de pensarmos apenas em nós e no nosso umbigo. Amar é pensar nas consequências de cada gesto e agir com responsabilidade para que ambos possam sentir-se livres e felizes!

 

Já agora, a conhecida cantora Sara Tavares interpreta uma bela música intitulada «Escolhas», inspirada nas palavras de São Paulo. A certa altura canta: “sei que posso fazer tudo, mas nem tudo me convém”! Sim, é verdade! Em tudo, comigo e com todos, posso fazer tudo, mas nem tudo convém, só o que o amor permite!

Padre Rodolfo Leite