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A espuma dos dias | Opinião


tags: Maria Alegria Marques Categorias: Opinião terça, 05 abril 2022

E eis que, de novo se soltaram os demónios da guerra e dos seus horrores, em terras da Europa! Anunciados há muito tempo, cada vez mais próximos e insistentes, surgiram, com toda a força e o seu cortejo de horrores, na Ucrânia, no final do passado mês de Fevereiro. Todas as guerras têm a sua justificação, quanto mais não seja, a defesa da liberdade e da paz! Como todas, também esta tem as suas razões próprias, que nem importam, porque a realidade se lhes sobrepõe. Mais que elas, convém atender nas consequências. Como todas, esta consome vidas e bens, e, parafraseando o P. António Vieira, grande orador e escritor do século XVII, ela varre os campos, as casas, as cidades, um país. Mãe de todos os males, traz consigo a fome, a pobreza, a doença, um cortejo de gentes em fuga, principalmente mulheres e crianças – que os homens hão-de servi-la –, a insegurança, o medo. Tudo isto vemos, todos os dias, que, nosso tempo, a guerra faz-se em directo. E esta é, deliberadamente, uma guerra dirigida aos civis.

Encravadas na Europa, entre uma Rússia gigante, cega e agressora, e um Ocidente romanticamente apoiante, mas incapaz de ajuda efectiva, as gentes ucranianas tentam opor-se-lhe, desesperadamente, num exemplo assaz extraordinário, quão desumano, porque inglório, talvez.

Mas a guerra – “o monstro que quanto mais come e consome, tanto menos se farta” –, decidida por poucos, atinge muitos outros. No caso, os soldados agressores, os quais, a exemplo de muitos, noutros tempos e lugares, muitas vezes nem sabem bem por que combatem, nem por que morrem. Por onda de choque, os países limítrofes são os primeiros a sentir o resultado da brutalidade que os agredidos enfrentam. Tem sido, verdadeiramente, altruísta e exemplar, a forma como países em dificuldades, como a Moldávia ou a Roménia, se têm aberto aos fugitivos e se organizaram para os acolher. Igualmente, é notória a solidariedade dos cidadãos europeus para com os ucranianos. E isto, ao invés das autoridades do Ocidente. Na Europa, vieram, ao de cima, os erros e falhas das políticas, de anos, da União Europeia, como o descuro dos problemas da defesa, a falta de estratégia na política da energia, em estreita, senão completa, dependência de terceiros, Rússia incluída, conscientemente. Por isso, é acusada, por muitos, de financiar a actual guerra… Se os seus dirigentes – que dizem representar os seus povos, incarnando uma ideia de Europa (mas qual é ela?) – souberem perceber este momento e retirar, daí, linhas de actuação consistentes, já será muito bom.

Enquanto isso, no nosso canto, à beira-mar plantado, confrontamo-nos com a vergonha da contagem dos votos dos emigrantes, nas recentes eleições legislativas. Conivências de partidos com o incumprimento da lei; votos deitados para o lixo, num desprezo, absoluto, dos eleitores! E, pasme-se: frequentemente, deputados portugueses seguem, ufanos, em “missão de observadores”, a acompanhar eleições em países ditos do Terceiro Mundo, de ditaduras… Afinal, no momento certo, nem a sua casa sabem governar.

E, consequência da guerra, aí temos o seu preço. Felizmente, sem custos humanos, porque sem intervenção directa na guerra, havemos de pagá-la. Já aí estão os seus sinais: aumento do pão, dos combustíveis e de tudo o mais, pois que outro desfecho não se prevê. Se os preços dependem do mercado, da lei da oferta e da procura, todos bem sabemos que os há também políticos. Estão neste caso, os dos combustíveis. Crivados de impostos, sobem, assustadoramente, num país em que, à excepção dos grandes centros urbanos, não há transportes públicos, muito menos quase “à borla”, que sirvam o cidadão, pagante tal qual esses outros. Mas o Governo tomou medidas, diz, paternalista e benfeitor. Sim: mas são mínimas, desproporcionais. Sim, sabe-se: há que combater o déficit das contas públicas. Claro. Mas se pensasse, antes, e este mesmo Governo não tivesse embarcado em medidas verdadeiramente populistas, que tanto contribuíram para ele? Dentre elas, uma mesmo ligada ao combate a esse aumento, o tão proclamado autovaucher. Se abrange, como se diz, a compra de café, jornais, tabaco, em lojas de postos de combustíveis, afinal, há dinheiro. Demais e mal gerido: o seu fim é desviado. E deixa de fora as empresas. Melhor fora pôr-se-lhe fim e descer o preço, efectivamente. Uma vez que se trata de um problema de impostos e estes são universais, também as medidas acerca deles – sobretudo a descida – o deveria ser. Não é assim que manda a Constituição da República?!

Mas não admira toda a confusão e regabofe. Esfole-se o povo, que os deputados bem se podem acomodar. Até desconhecendo a lei… que eles próprios aprovam, como o mostra o recente caso de Mariana Mortágua, a petulante justicialista do Bloco de Esquerda.

E cuidemo-nos com o anúncio do novo governo. Não é o indigitado Ministro das Finanças, aquele mesmo cidadão que, na sua qualidade de Presidente da Câmara de Lisboa, permitiu a entrega, à embaixada da Rússia, dos nomes e dados pessoais de vários dissidentes que se manifestaram em Lisboa contra o regime de Putin, senão mais, pelo menos desde Abril de 2021? Que deixará fazer com os nossos dados de IRS, por exemplo?!

Entretanto, paz à Ucrânia e aos homens de boa vontade.