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Perspectiva - Tugão | Opinião


tags: Mauro Tomaz Categorias: Opinião terça, 14 junho 2022

“Tugão” é uma expressão utilizada de forma pejorativa por alguns círculos de portugueses, no sentido de caracterizar o nosso país em determinadas áreas, como por exemplo a política, a justiça ou o desporto. Portugal tem imensas virtudes, sem dúvida alguma, mas há peculiaridades próprias da portugalidade presente, que no fundo é o conjunto de traços distintivos actuais da nossa história e da nossa cultura, que nos deveria envergonhar a todos.

Em tempos de inusitada violência social e de prosperidade do crime, nunca foi tão importante lutar contra as teias de poder e de interesses que grassam pelo nosso país. A impunidade generalizada chegou a um ponto que até já me parece de certa forma jocoso, bastando olhar com olhos de ver para tudo o que nos rodeia... charlatões insolventes a passearem-se de porsche e a declarar rendimento mínimo, burlões da banca responsáveis por milhares de milhões de perdas financeiras para o estado de férias em destinos paradisíacos, devedores de quantidades monstruosas de dinheiro a processar os próprios bancos e muita vez com a conivência e a colaboração dos próprios, de rosto bem destapado ou a coberto de uma qualquer Fundação. Enfim. No nosso “Tugão” vale tudo. Chegámos a um ponto em que a impunidade é de tal ordem que até já aplaudimos o crime e glorificamos criminosos com honras de prime-time na televisão, com nomes de ruas, de hospitais ou de escolas, colocando o foco nos contributos “inestimáveis” dos protagonistas e passando sabão azul na promiscuidade das negociatas, dos conluios e dos esquemas todos montados em benefício próprio, tanto pessoal como do círculo protector próximo. Temos líderes de claque doutorados no crime organizado e com mestrado tirado na coação aos mais diversos agentes, a começar pelos da própria universidade onde se formaram. Quem vai contra um bandido que nos ameaça com a informação de que sabe onde moramos e as escolas onde os nossos filhos estudam? Só mesmo um tolinho é que desafiaria um insolvente que se passeia em veículos de alta cilindrada e que é reconhecido por cumprir castigos mal as competições terminam. Enfim. No nosso “Tugão” vale tudo, mas tudo mesmo, neste país das impunidades em que se goza com a cara de todos os portugueses. Também é por isso que os valores de abril que ainda agora voltou a passar, mas já parecem esquecidos ou adormecidos, se tornam cada vez mais relevantes... é importante o sobressalto de uma população inerte e entorpecida que apenas é sazonalmente valorizada, quando interessa. Precisamos de nos incomodar um pouco mais! Olhando à nossa volta, o momento é particularmente propício ao enaltecimento das virtudes de uma participação cívica desassombrada e destemida. Uma participação informativa, denunciadora e 100% livre. Repito, 100% livre! É disto que precisamos. Muito a propósito e como recentemente tive a oportunidade de ler: “a insurreição é a condição da nossa vida. Temos o dever de nos insurgir contra tudo o que está mal”. Incomodemo-nos, pois!

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Oh, e que dizer da “prescrição” habitualmente “prescrita” a tantos e tantos desencadeamentos judiciais, que beneficiam de uma rede montada de patranhas dilatórias que o sistema permite e até fomenta? A dissociação do poder político com os tribunais é meramente ilusória. É o poder político que legisla e é o poder político que aloca os recursos humanos nos respetivos tribunais. Escamotear esta interdependência é querer ignorar a realidade, e o que, entretanto, salta à vista ao português comum é a facilidade com que uma certa e determinada nata de protagonistas da nossa sociedade se “desenrasca”. Com a crescente omnipresença justicialista dos tribunais populares nas redes sociais, recheados de defeitos mas simultaneamente dotados de imensas virtudes, vão-se abanando os edifícios dos muito maus hábitos instalados, dando-lhes visibilidade pública, que é coisa que anteriormente não acontecia. Incomodemo-nos, então!

No nosso “Tugão” temos também ordenados lícitos mas estapafúrdios de braço dado com os chamados rendimentos indevidos. Directos e indirectos. As vantagens de que usufruem os próprios e os familiares mais chegados, sejam eles filhos, genros ou afilhados. As razões que fundamentam muitas destas práticas tipicamente “tugas” podem ser variadas, mas têm todas em comum um aspecto que se revela muito saliente: a falta de vergonha. Sejam eles banqueiros ou líderes de claque, empresários de jogadores ou presidentes de fundação, administradores de instituições de solidariedade ou presidentes de câmara. Mesmo quando para “fora” se transparecem os maiores valores de seriedade, de rigor e de confiança. É uma falta de vergonha, a impunidade da nossa Justiça. É a impunidade, pela falta de exemplo… e o aproveitamento indevido, pela falta de vergonha. As coincidências são mais do que muitas, até nos epítetos cultivados por estes agentes sem escrúpulos e sedentos de protagonismo reconhecido. A vaidade do ego alimentado por uma “doutora” ou um “doutor” que não o são nem nunca o foram. Enfim. Neste “Tugão” onde todos os dias se goza com a cara dos portugueses, são reis e senhores, mesmo que tenham apenas a quarta classe. Pareceu-lhe tudo um pouco confuso, não? É de propósito.

Mauro José Tomaz