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''Jardineiros do amor…'' | Opinião


sexta, 12 agosto 2022

Amor, que é amor, dura a vida inteira, ou melhor, dura até a eternidade, porque é «mais forte que a morte». Se não durar é porque nunca foi amor. O amor resiste ao distanciamento, ao silêncio de tantas sujeições e até ao sofrimento de ter de estar ausente. Mais, ainda, no amor há como que uma equação onde prevalece, misteriosamente, a multiplicação do acolhimento, da compreensão, da entrega, da abnegação em favor de quem se ama. Podemos percebê-lo bem, quando o outro é, em tudo, diferente; quando quem se ama, tem outro ritmo, outra direção…, e mesmo assim, olhos nos olhos, se verbaliza a verdade do coração: «Mesmo nada dando certo, eu não sei viver sem ti. Eu não posso ser nem a metade do que sou se tu não estiveres em mim».

Depois, o amor possibilita-nos descortinar «lugares», no nosso coração, os quais sozinhos jamais poderíamos topar. O poeta soube-o traduzir bem, quando afirmou: “Se eu não te amasse tanto assim, talvez perdesse os sonhos dentro de mim e vivesse na escuridão. Se eu não te amasse tanto assim talvez não visse flores por onde eu vi, dentro do meu coração”. Que belo! Vislumbrar os sonhos que, antes, eu não conseguiria nem saberia ver sozinho. Vislumbrar só porque o outro me «emprestou» os seus olhos, socorreu-me na minha «cegueira». Eu possuía esses sonhos, essa beleza interior, esse tesouro, em mim, e não o sabia. O outro, com o seu amor, conduziu-me até lá, deu-me a chave, entregou-me a senha, para me perceber único. Aliás, era o que Jesus fazia e faz sempre. Aponta «jardins secretos» em aparentes corações secos e desertos. Por exemplo, na aridez do coração de Maria Madalena, Jesus encontrou as «orquídeas preciosas» de quem sabe servir, na humildade e na simplicidade. Fez vê-las e chamou a atenção para a necessidade de cultivá-las (cf. Lucas 7, 36-50)

Hoje, mais do que nunca, esta é a tarefa que nos pertence, a missão a que estamos desafiados: descobrir, através do amor, «jardins» em corações que consideramos precipitadamente impróprios. Os jardineiros saberão melhor disto! Amam as flores e por isso cuidam de cada detalhe, porque sabem que não há amor fora da experiência do cuidado e do zelo. Em cada dia, o jardineiro cuida pacientemente das suas roseiras. Sabe identificar que a ausência de flores não significa a morte absoluta, mas o repouso do preparo. Quem não souber viver o silêncio e a espera paciente do cuidado, nunca verá o florir na vida e no coração do outro!

Precisamos mesmo de aprender isto. Olharmos para aqueles que, ao nosso lado, não estão bem e que, porventura, não têm noção disso e recordar-nos que as roseiras não dão flores fora do tempo, nem tão pouco se não forem cuidadas. Se não há «flores», em muitos corações, talvez seja porque ainda não tenha chegado a hora de florir, talvez ninguém nunca tenha sido aí «jardineiro do amor». Cada roseira tem o seu estatuto e as suas regras. Por outras palavras, se não há «flores» no coração dos que nos rodeiam, talvez seja porque nunca ninguém tenha dado a atenção e o cuidado necessários para o cultivo, amoroso, dessa «roseira».

Com efeito, a vida requer sempre cuidado. O amor também! Flores e espinhos são belezas que se dão juntas. O pior é que queremos sempre uma só. Mas, elas não sabem viver sozinhas! Quem quiser levar uma «rosa» para a sua vida, terá de saber que com ela vão necessariamente os seus «espinhos». Não há problema! A beleza da rosa vale sempre mais que o incómodo dos seus espinhos.

Por fim, só nos ama quem ficar até ao fim connosco; só ama aquele que, depois da nossa utilidade, tem consciência e conhece o nosso verdadeiro valor e significado. O amor verdadeiro a uma pessoa dá sempre tranquilidade, mesmo esta sendo ou sentindo-se inútil, frágil, pequena... O verdadeiro amor guarda, estima e valoriza o valor e o significado do outro, inscritos na beleza do seu coração. Aliás, uma das provas mais belas do amor é quando aquele que me ama sabe acolher a minha inutilidade. Alguém que olhe para mim assim, que possa saber que eu não servirei para muita coisa, ou até para nada, mas que contínuo a ter valor e significado na sua vida, é esse que me ama verdadeiramente.

Já agora, nestas semanas, em que me reúno frequentemente com tantos noivos, na preparação do seu casamento, sinto, em mim, este desafio de os ajudar a descobrirem o significado do Amor. Só o Amor dá a cada um as condições de cuidar do outro até o fim. Por isso, apetece-me gritar: feliz daquele que tem, na sua vida, a graça de ser olhado nos olhos e ouvir do outro: «mesmo que não sirvas para nada, eu não sei viver sem ti», ou melhor, «o teu coração é um jardim belo que quero cuidar, mesmo que sobrem só espinhos e já não haja rosas».

Padre Rodolfo Leite