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“Ao ouvir a harpa, não quis ouvir mais nada” declara Beatriz Cortesão


tags: Barcouço Categorias: Especial, Entrevista terça, 05 setembro 2023

Beatriz Cortesão é de Santa Luzia, Barcouço, e tem 18 anos de experiência a tocar harpa, toca desde os sete anos.

A harpista tem 25 anos, e aos 19 anos aventura-se e vai estudar harpa em Milão. De momento é música freelancer, mas afirma ter muitos projetos e convites para concertos.

Em entrevista, a jovem artista conta-nos o seu percurso, como entrou no mundo da música, como escolheu a harpa para ser o seu instrumento e quais são os seus projetos futuros.

 

Começaste a tocar com sete anos? Porque é que escolheste a harpa?

Os meus pais inscreveram-me no Conservatório com seis anos, que era para entrar aos sete e após experimentar alguns instrumentos, tais como violino, piano, violoncelo, instrumentos de sopro, acabei por escolher a harpa. Acho que nem quis ver mais nenhum instrumento. A Professora Eleonor Picas que é professora agora no Conservatório de Braga, mas na altura estava em Coimbra, conquistou-me.

 

Como é que começaste a tocar?

Com quatro ou cinco anos, os meus pais começaram a levar-me e às minhas duas irmãs a uma professora. Passávamos o sábado à tarde com ela e com flautas, piano e cavaquinhos. Quando ali estava, no meio da diversão com elas, acabou por nascer o gosto pela música, com uma brincadeira. Um ano mais tarde, estávamos com cinco ou quatro anos, não me lembro, mas logo a seguir a professora Mónica, sugeriu que os meus pais nos levassem a fazer provas para o Conservatório.

Eu entrei, com seis ou sete anos. Eu até já tinha em mente o violino, o piano que são os mais conhecidos, mas ao ouvir a harpa, não quis ouvir mais nada.

 

Como foi o teu processo de aprendizagem?

No Conservatório tinha aulas quase todos os dias e era até muito tarde, até às 21h, porque era depois da escola, a partir das 18h ou das 19h. Tínhamos formação musical, ou seja, teoria musical, tínhamos coro e harpa. Com os anos comecei a ter mais coisas, história da música, análise da música, orquestra, música de câmara.

Fiz o Conservatório todo em Coimbra, até aos 19 anos, fiz um ano a mais, porque como queria estudar para fora decidi fazer um ano a mais para desenvolver as minhas capacidades de estudo, para me preparar mentalmente que não iria estar com os meus pais, e que ia estudar no estrangeiro.

 

Foste estudar para onde?

Para Milão, estudei performance de harpa, licenciatura e mestrado, que acabei em junho, gostava de mencionar a Professora Doutora Irina Zingg que é mesmo muito importante no meu percurso. Com 14 ou 15 anos, comecei a fazer umas masterclasses, sugestão da minha professora da altura, e nas férias da Páscoa, fiz uma aula privada com a Professora Doutora Irina Zingg, eu tive só uma aula, mas fiquei tão fascinada com o que tinha para ensinar que tentei durante todo o ano, lembrar-me de tudo o que a professora tinha ensinado e tentar aplicar os conhecimentos em todas as peças. No ano seguinte, acabei por me inscrever e fiz um curso todo com a professora.

Nessa altura, os meus pais, aconselhados pela minha Professora do Conservatório, tentavam ir comigo a vários sítios. Eles foram muito importantes, porque não só nas masterclasses, mas também em todos os intercâmbios, encontros de harpa, os meus pais acompanharam-se sempre e incentivavam-me a participar. Eles foram o motor nestes anos.

 

Quais são as tuas maiores inspirações musicais no mundo da harpa?

A Professora Doutora Irina Zingg obviamente, a harpista Anneleen Lenaerts, admiro-a muito como artista e como música, como toca e como estuda, nas masterclasses ela partilha connosco os métodos de trabalho dela, e Carolina Coimbra é uma artista fantástica, é professora na Escola Superior de Música de Lisboa, mas também trabalha em Turim, tem família, tem trabalho e trabalha a um nível fantástico, sem dúvida que é uma inspiração.

 

Quais foram os desafios que enfrentaste ao aprender a tocar harpa e como os superaste?

O medo de tocar de memória no palco, nós queremos confrontar com peças mais exigentes, e por vezes esquecemo-nos das pautas.

Sempre foi um desafio para mim e ainda o é, no concurso do Prémio dos Jovens Músicos, tínhamos o concerto a tocar, meia hora, e eu conheço muito bem este concerto, identifico-me muito com ele e eu estudei imenso, fiz tudo o possível, mas com o trabalho que eu tinha tido na semana anterior que influencia muito, tive uma branca, mas uma branca como já não me acontecia há muito tempo, não toquei se calhar um minuto. Deixei-me estar ali, deixei passar o tempo necessário, do nada, próxima variação… e segue para a frente até ao fim, não aconteceu mais nada.

Acabei por ganhar o prémio, sei que houve uma grande discussão da parte do júri, a outra concorrente não teve qualquer perda de memória, mas acabaram por me dar o primeiro prémio. É um grande desafio para mim tocar de memória, é uma coisa que de que eu tenho medo e sobrecarrego esse medo sem necessidade, porque se calhar ao levá-lo mais naturalmente podia ser mais fácil desbloqueá-lo.

O desafio é insistir, persistir no medo.

 

Quais são os estilos musicais que preferes tocar na harpa?

Clássico, às vezes faço trabalhos com música pop e jazz, mas eu sou mesmo fiel ao estilo clássico. Sinto-me mesmo bem a tocar clássico.

 

Conta-nos algo sobre alguma apresentação memorável que realizaste com a harpa.

Aconteceu no dia 29 de julho, no Bussaco Classical Fest, toquei com a Orquestra Clássica do Centro, foi memorável para mim por não me ter esquecido de nada, pois foi apenas três dias depois do Prémio Jovens Músicos, onde toquei exatamente a mesma música, estava com medo de voltar a ter perda de memória, na mesma ou em outra parte. Mas eu nunca pensei nem por um minuto tocar pela partitura, porque isso confirmaria as minhas inseguranças. Correu muito bem, as pessoas adoraram, nós tivemos poucos ensaios, mas eu já tinha tocado este concerto com esta orquestra, acho que nos sentimos todos muito bem.

Foi memorável, pelo medo que tinha e por tê-lo superado.

 

Como foi tocar harpa num concerto no teu concelho?

Foi mais uma contribuição para tornar o concerto memorável, porque eu tinha lá uma claque com familiares e amigos, que me apoiaram. O acolhimento que senti, as palavras no final do concerto, as pessoas estavam claramente deliciadas e outras que não me conheciam também me vieram dar os parabéns e dizer que gostaram muito. Fez o concerto ser mais especial do que se calhar se tivesse sido noutro ambiente com outro público.

 

Já compuseste ou arranjaste músicas para a harpa?

Compus em pequenina, com 11 ou 12 anos, uma peça que descrevi como infantil, deveria ser para aprender uma das técnicas na harpa, é uma estrada diferente da que estou a seguir para agora e na qual me estou a focar neste momento. Mas que não é fechada, eventualmente posso explorar mais, mas para já não componho.

 

Como é que a harpa influencia a tua vida quotidiana e tua perspetiva artística?

É um bocado como todos, se me corre mal um dia de estudo, isso passa para o resto do dia do quotidiano, não consigo estar bem. Está tudo muito interligado. As várias experiências do dia-a-dia vão influenciar muito no modo que toco. Algumas músicas ou algumas partes de músicas que eu toco vão-me sempre lembrar situações do dia-a-dia com as emoções associadas a isso.

 

Quais são teus planos futuros relacionados à música e à harpa?

Para já, tenho várias propostas como solista e música de orquestra, nos próximos meses. Como também estou na Academia do Teatro alla Scala, em Milão, em setembro, vamos ter a produção do Lago dos Cisnes no Teatro alla Scala, com a Orquestra da Academia e com o Corpo de Bailado do Teatro alla Scala. Tenho em vista tocar o concerto de harpa e flauta, de Mozart, com a Orquestra Filarmonia das Beiras e com a flautista Mafalda Carvalho, em outubro.

Mesmo que seja pela composição, eventualmente, não já, porque agora quero mesmo dedicar-me à performance, vejo a minha vida sempre ligada à harpa.

 

Já contas com alguns prémios, consegues dizer alguns?

O mais recente e mais importante em Portugal, o Prémio Jovens Músicos, na categoria de harpa, ainda falta a final que vai ser em setembro, onde o vencedor em cada categoria vai a concurso, tocando com a Orquestra Gulbenkian e será escolhido o Prémio Jovem Músico do Ano.

Outro muito importante em que ganhei o terceiro prémio, o XXI Concurso Internacional de Harpa de Israel, é o mais prestigioso concurso a nível internacional.

 

Quais conselhos darias a alguém que está a pensar aprender a tocar harpa?

Ouvir muita música que não seja tocada em harpa, grandes pianistas, grandes violistas, cantores, gravações histórias dos mais prestigiados artistas, os melhores sucedidos. Para mim, este é o conselho principal, é muito importante desenvolver o ouvido, não desenvolver só a técnica na harpa, que é muito importante e muito difícil, porque nós tocamos com as mãos e com os pés, é preciso uma coordenação enorme e a parte técnica é muito difícil de aprender na harpa, mas tem de se insistir, mas mais do que isso, tem de se desenvolver o ouvido, sem dúvida.