
Nas palavras de Albert Eisntein: «há duas coisas infinitas: o Universo e a Estupidez Humana. Quanto à primeira, restam-me dúvidas».
O Novo Acordo Ortográfico, para que fique dito, escrito e registado, constitui o maior e mais absurdo acto de impreparação política e estratégica do Estado Português no Século XXI. Uma clara demonstração de submissão cultural, de obediência cega a interesses paralelos de ordem económica e financeira e uma total falta de respeito pela identidade de uma nação. Desta feita, e em Bom Português – à Antiga –, este Acordo serve, tão e somente, meia dúzia de intelectuais e académicos de segunda e outros tantos professores do Ensino Secundário de terceira. Dito em Bom português, é literalmente assim.
Vamos por partes. Eu não nego, porque isso seria intelectualmente indecente, que a língua, ou melhor: a linguagem, sofra evoluções e deva ser entendida de forma dinâmica e capaz de introduzir novos vocábulos da mais variada ordem de valor linguística. Entender, por conservadorismo ou insensibilidade, que a língua é uma realidade cristalizada e estática e que deve permanecer inalterável ao longo dos séculos é um pensamento quase tão idiota como o que tolda os defensores do Novo Acordo Ortográfico. Daí que eu defenda, quando necessárias e devidamente estudadas, as reformas ortográficas a nível interno para responder às novas exigência de expressão. Não é à toa que as ex-colónias, aquando das revisões linguísticas, seguem a norma do Português Europeu. Este facto, além de público e consensual, está devidamente datado e documentado. Trata-se, não de estar contra uma eventual revisão ortográfica, mas de condenar um processo de natureza totalitária e imperial, de uma imposição cultural sem precedentes e de um duplo colonialismo, desta vez ao contrário, sem que nada o justifique ou mereça. A questão de fundo é esta e não outra.
Estou disposto a recuperar o velho pensamento racista e colonial se isso significar a não submissão intelectual. Colaborar com a minha apatia ou com o meu silêncio é algo que não quero nem estou disposto a aceitar. Há momentos da História, e da vida de um Homem, em que se o é preciso ser de facto. A acusarem-me, que seja de racismo e não de deslealdade ao meu país, à minha pátria e aquilo em que eu acredito.
Posto isto, o Novo Acordo Ortográfico consiste, tão e somente, num acto de duplo colonialismo. Trata-se, por um lado, de uma imposição ortográfica dirigida a Portugal, por parte do Brasil, a que cedemos sem pestanejar. Estamos, portanto, perante uma acção de prepotência camuflada do contrário. Um entendimento colonial tido por nós como não colonial. Por outro lado, e por razões históricas, Portugal enfrentou o destino, aventurou-se aos mares, descobriu e colonizou o Brasil, impôs-lhe uma cultura e a sua língua matriz. O Novo Acordo Ortográfico propõe-nos que, sendo nós detentores da matriz da língua portuguesa, passemos a falar em português e a escrever em brasileiro – intencionalmente não usei a expressão Português do Brasil. Sim, leu bem, a falar em português e a escrever brasileiro. Repare, caro leitor, como as regras da consoante muda não chegam a ser recíprocas. Por exemplo, nós escrevemos Facto Político e verbalizamos o C. Os brasileiros escreviam igualmente Facto Político mas, como não Verbalizam o C, o Novo Acordo Ortográfico propõe que os portugueses passem a escrever, e a ler, Fato Político porque os brasileiros não verbalizam o C. No entanto, para que o ridículo seja maior, tomemos a título de exemplo a palavra Recepção. Os portugueses escrevem Recepção mas não verbalizam o P. Os brasileiros escreviam Recepção e verbalizam o P. Neste caso, de acordo com o Novo Desacordo Ortográfico, a palavra Recepção continuar-se-á a escrever com P porque os Brasileiros o verbalizam e nós não, logo, vamos continuar a escrever Recepção e a não verbalizar o P. No essencial deste Acordo, propõem-nos que falemos em português e que escrevamos em brasileiro. Ora se isto não se trata de um novo colonialismo e de uma imposição cultural sem precedentes, passando por cima da História e da Identidade Nacional de Portugal, não vejo de que mais se possa tratar. Aqui para nós, que ninguém nos ouve, o Brasil está muito longe de ser o melhor modelo de sociedade, ou de ser o melhor modelo de país, ou de ser o melhor modelo de desenvolvimento sustentado e muito menos de ser o melhor modelo de transparência e de equidade social. Certamente, permitam-me a arrogância, não será o melhor modelo linguístico. Alguém intelectualmente saudável imagina, por um segundo que seja, os Estados Unidos da América a impor uma revisão ortográfica à Inglaterra, que detêm a matriz da língua Inglesa?
De entre os defensores do Novo Acordo Ortográfico há os que defendem a necessidade da unificação da língua e os que argumentam que essa pertença unificação facilitará, de futuro, a chegada, a leitura e a maior circulação de livros de autores portugueses dentro da Lusofonia, mais concretamente ao Brasil. Quanto à unificação da língua, a mim só me apetece dizer, para não alongar a estupidez a que se chegou para defender este acordo a todo a custo, que qualquer pessoa com dois dedos de testa percebe que as principais diferenças entre o Português de Portugal e o Português do Brasil são lexicais e gramaticais e não ortográficas. No que diz respeito à circulação de livros, e à chegada de autores portugueses aos demais países de língua portuguesa, isso é uma questão a ser resolvida pelas editoras que, por serem empresas, se comportam de acordo com a Lei do Mercado. A maior circulação de livros está exclusivamente ligada à lei da oferta e da procura e nada tem a ver com a ortografia. Confundir uma com outra coisa só podia dar disparate, e deu. Por exemplo, Fernando Pessoa, ou mesmo José Saramago, são mais lidos, mais estudados e mais leccionados no Brasil do que em Portugal. Não consta que nenhum deles tenha escrito segundo o Novo Acordo Ortográfico. Saramago, por sinal, opunha-se terminantemente a colaborar com tal idiotice. Posto isto, a minha discordância quanto ao Acordo e à necessidade do mesmo reside, além da questão história e cultural, numa questão de opção linguística: o privilégio da fonética sobre a ortografia. Por esta ordem de ideias, vale a pena transformar os dialectos e as pronúncias regionais em línguas diferentes e novas porque se escrevem da mesma maneira mas se pronunciam de forma diferente. Que tal um Português do Minho? Um Português da Madeira ou Um Português do Açores?
Vivemos, efectivamente, tempos de digestão difícil. Em Belém, Cavaco Silva vai gerindo os Silêncios como quer e lhe apetece, e como sabe – ou não sabe fazer. Estamos perante um Presidente da República, perdoem-me o imperativo de consciência, incapaz de se impor pela Palavra e sem a mínima capacidade de gerar confiança pública. Esta imposição cultural de que somos alvo, este colonialismo, esta submissão linguística só acontece porque Cavaco Silva não é, nunca foi, e nunca será um grande estadista. Faz-nos falta um Homem capaz de fazer história, de enfrentar esta guerra, sem medos nem receios, de dar o corpo às balas. Alguém, que do cimo da sua autoridade, fosse capaz de cerrar os dentes e dizer, firme, alto e bom som: ergamo-nos, o país está primeiro. Não por ele mas por Portugal, pela nação e por tudo o que ela representa. A História faz-se de gente assim.
Há que chamar os bois pelos nomes: este acordo ortográfico, envergonha todo e qualquer português decente, que o seja e que se sinta enquanto tal. Dito, e escrito, em bom Português – à antiga.
P.S: os artigos de opinião de André Manuel Vaz não respeitam o Novo Acordo Ortográfico.
ANDRÉ VAZ