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António Breda Carvalho: O encontro entre o mundo do ensino e da escrita


tags: Escolas, Leitura, Educação Categorias: Entrevista sexta, 01 março 2024

António Breda Carvalho nasceu na Mealhada, em junho de 1960.

Publicou várias obras, incluindo estudos regionais, e foi distinguido com inúmeros prémios literários de conto e de romance, o último dos quais o Prémio Literário Carlos de Oliveira 2018), da Câmara Municipal de Cantanhede, atribuído ao romance A Odisseia do Espírito Santo.

Romances publicados: As Portas do Céu, Câmara Municipal de Águeda, 2001 (Menção de Honra – Prémio Literário António Feliciano de Castilho/2000); O Fotógrafo da Madeira, Oficina do Livro, 2012 (vencedor do Prémio Literário João Gaspar Simões, Câmara da Figueira da Foz/2010); Os Azares de Valdemar Sorte Grande (Menção de Honra - Prémio Literário João Gaspar Simões, Câmara da Figueira da Foz/2012); Os Filhos de Salazar, Saída de Emergência, 2016; O Crime de Serrazes, Épica Editora, 2017; Morrer na Outra Margem, Amazon, 2018; A Odisseia do Espírito Santo, Saída de Emergência, 2019; A banda que tocou fora da Graça de Deus, Gradiva, 2019; A Estaca na Água (contos e crónicas), Câmara M. de Mealhada, 2021.

 

Como e com que idade nasceu a vontade de ler e escrever?

Ambas as vontades surgiram durante a minha infância. A motivação foi desencadeada pelas histórias que lia e ouvia. A leitura e a escrita eram (e são) fonte de prazer, nunca tiveram o peso de um frete.

Qual foi o livro de que mais gostou?

São muitos. Cada idade tem o seu livro. Eleger um seria uma injustiça para todos os outros que me seduziram e conquistaram. Tenho muitos livros, por motivos diferentes, a ocupar o mesmo lugar no meu altar de preferências literárias.

 

Qual o seu escritor favorito? Porquê?

A resposta anterior também serve para esta pergunta.

Quais são suas principais fontes de inspiração para escrever?

Investigação, imaginação e labor.

Quando escreveu o seu primeiro livro?

Em 1988, publicado em 1990. Uma coletânea de contos bairradinos intitulada In Vino Veritas.

Que temáticas prefere escrever?

Históricas e sociais.

Tem alguma rotina no seu processo de escrita? Algum método?

Planificação, para ponto de partida; depois é um longo processo de elaboração orientado pelo instinto, pela imaginação e pela técnica.

Quer falar um pouco de alguns dos seus livros?

Apesar de a História estar como pano de fundo na maior parte dos meus romances, estes não evidenciam uma reprodução textual dos factos nem a repetição do mesmo modelo de escrita. Tento imprimir versatilidade a nível do estilo e da técnica, variando conforme o tema de cada romance.

Enquanto escreve, existem receios? (que o público critique, que não seja bem aceite?

Quem se expõe publicamente, seja em que campo for, está sempre sujeito a críticas construtivas e destrutivas. Aceito as críticas negativas, não me incomodam desde que consistentemente fundamentadas. Prefiro estas, mesmo que não concorde com elas, ao silêncio dos leitores. Nenhum escritor deseja nem gosta de escrever para o silêncio, após a edição de uma obra. Escrever para a gaveta é também uma forma de um trabalho ficar silenciado, mas aqui já estamos na esfera de outra problemática inerente ao ofício de quem gosta de escrever.

Tem um blogue, certo? Porquê “Escriba Hedonista”?

Neste momento está desatualizado. Boa altura para o revisitar e atualizar (risos). O título encerra uma brincadeira com intenção séria: por um lado, dar um ar humilde à minha entidade autoral, de alguém que escreve apenas com a finalidade de se divertir, sem pretensão de ascender ao Olimpo; por outro lado, vincula a ideia de que para mim o ato de escrita, mesmo assumido com responsabilidade, não é escravidão, sobrepondo-se a muitas outras coisas maravilhosas que a vida disponibiliza. Procuro atingir a minha glória interior escrevendo quando me apetece, não ambiciono servir-me da escrita para alcançar a glória terrena.  

As temáticas dos seus livros têm alguma relação com a sua vida pessoal?

Há quem diga que um autor dificilmente se esquece ou foge de si quando escreve, representando-se parcialmente através de uma personagem ou de uma ideia. Como a minha vida tem sido demasiado banal para merecer um romance ficcionado ou biográfico, concedo a possibilidade de alguns romances escritos por mim terem, de certa forma, algo em comum comigo, pois os autores escrevem sobre o que lhes interessa, seja matéria social, existencialista, política, etc., etc.  

Como se sentiu quando recebeu o seu primeiro prémio literário?

A propósito da primeira viagem à Lua, ficou imortalizada a frase: “Um pequeno passo para o Homem, um grande salto para a Humanidade”. O meu primeiro prémio literário, muito singelo, foi o meu pequeno passo antes de, mais tarde, dar um passo mais alargado, presentemente ainda longe (sempre estará) de um grande salto.

Dos prémios que recebeu, qual foi o que o deixou mais entusiasmado? Qual lhe deu mais reconhecimento?

Em 2018, com o romance A odisseia do Espírito Santo, fui vencedor do Prémio Literário Carlos de Oliveira, promovido pela Câmara de Cantanhede. Este foi o galardão que mais me realizou, por três motivos: o nome do patrono, o prestígio do prémio a nível internacional e o facto de este romance, de cariz histórico, apresentar uma estrutura que desobedece ao cânone do romance histórico.

Quais são os maiores desafios de um escritor?

Escrever com qualidade e conseguir publicar numa grande editora.

Sessões de exposição como a Denso são importantes para divulgar trabalhos locais. Acha que este tipo de iniciativas devia ser mais frequente?

Acúrcio Correia da Silva, um padre com a sua paróquia em Sangalhos, há um século, criou o Hino da Bairrada e a Plêiade Bairradina, um grupo de gente trabalhando para promover a cultura bairradina. Penso, portanto, que todas as iniciativas locais e/ou regionais têm o mérito de divulgar património que passa despercebido a muitas pessoas, e atualmente muito mais invisível, considerando as vicissitudes do quotidiano hodierno. No entanto, de nada vale a realização deste tipo de iniciativas, se não houver arte e engenho para atrair os cidadãos menos afeitos aos eventos culturais, e desta forma se concretizar o objetivo para o qual os certames são implementados. Já se sabe que as atividades culturais não são, para a maioria das pessoas, atrativas e entusiasmantes.

Quanto à minha participação na DENSO (II Mostra Cultural e Artística da Região de Coimbra), a decorrer de 30 de janeiro a 3 de março, no Centro Cultural Penedo da Saudade, darei o meu modesto contributo promovendo a Mata do Buçaco através de dois livros da minha autoria: a antologia O Buçaco na Literatura (1993) e o romance As Portas do Céu (2001), recriação da vida monástica dos carmelitas descalços.

Nasceu primeiro a vontade de ser professor ou escritor? É professor de quê? Há quantos anos?

Escrever e ser professor de Português/Literatura são duas coisas gémeas. O professor fechará para sempre a sala de aula em 2026; o escritor ainda não sabe quando largará a caneta.

Qual a parte mais gratificante de ser professor?

Ver crescer os alunos em conhecimentos e competências atinentes à disciplina que leciono e, sobretudo, verificar que eles aprendem a estar na vida de acordo com os valores que dignificam o ser humano.

Neste momento, quais são os principais desafios de um professor?

Motivar os alunos para a aprendizagem, consciencializando-os de que o conhecimento, no futuro, torná-los-á pessoas mais livres no pensamento, mais inteligentes e autónomas nas decisões e, porventura, mais felizes intelectualmente.

Os jovens leem cada vez menos. O que acha que está a falhar? Como podemos incentivar à leitura?

Se o nosso planeta periodicamente sofre transformações de variada ordem, nomeadamente climática e geológica, é natural que a sociedade humana se transforme também de século em século, adaptando-se aos avanços tecnológicos. Assim, estamos a viver a era do declínio da leitura, quer no hábito, quer na compreensão do que é lido, pois há cada vez mais alunos a ler fluentemente em voz alta, mas sem entender o que leem. Os jovens, na sua maioria, são o reflexo da sociedade em que estão inseridos, esta exercendo uma influência sobre eles mais dominante do que a escola, relegada para segundo plano por uma grande percentagem de alunos e de pais, que deixaram de reconhecer nos professores a função capital que exercem. Todas as sociedades, em todas as épocas, têm espécies sobreviventes. No domínio da leitura, vaticino que, ainda que poucos, haverá sempre leitores, uns melhores do que outros, alguns mais exigentes com a qualidade, resumindo-se todos a uma franja social arcaica, uma massa humana obsoleta na era da tecnologia e da inteligência artificial. Entendo que o incentivo à leitura deve começar na pré-escola, com políticas educativas adequadas.

Como concilia a vida profissional (professor) com a escrita?

Sacrificando o tempo livre e rentabilizando-o com organização, método e disciplina. Quem não tem estas competências queixa-se de não ter tempo para coisa alguma e admira-se de eu o ter. Contudo, confesso que, com esta idade, já começo a sentir menos energia e menos capacidade de resiliência.

 

É júri do Conto “Maria da Nóbrega”, promovido pela Câmara da Mealhada. Como decorre o concurso?

Está na fase de apreciação dos contos. É já um êxito quanto ao número de concorrentes e quanto à qualidade da maior parte dos trabalhos. Creio que os vencedores serão anunciados em abril.

Está a escrever algum livro de momento? Se sim, quando prevê lançar?

Nos últimos 3 anos apenas escrevi pequenos textos. Tenho dois romances prontos, um deles enviado para um concurso. Aguardo o anúncio do vencedor.

Que livro está a ler agora?

Comecei a ler Ferreira de Castro - uma biografia, cujo primeiro volume acabou de ser publicado pelo Centro de Estudos Ferreira de Castro, de Oliveira de Azeméis. Para fins escolares, estou a ler O rapaz ao fundo da sala, uma obra que aborda a problemática das crianças refugiadas.

Qual é a frase que melhor o descreve/caracteriza?

Nunca tive jeito para autorretratos e não quero, agora, dececionar quem tem fraco juízo de valor sobre mim.