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Diária

"Viva o 25 d’Abril. Viva a Paz! Abaixo a Guerra!"


tags: 25 de Abril Categorias: Opinião terça, 16 abril 2024

Parte I

A perceção que – até agora – recolho da forma como estão a ser feitas as comemorações dos 50 anos da Revolução do 25 de Abril de 1974 é de uma tónica total na dimensão das conquistas de Direitos Liberdades e Garantias e uma completa ausência de referências à questão da Guerra em África. Parece-me muito estranho. Primeiro porque considero que a Guerra é, simultaneamente, um elemento absolutamente determinante para a justificação e concretização da Revolução e (o seu fim) uma das maiores e melhores conquistas do 25 de Abril.

Todo o foco comemorativo – das comissões nacionais, das festividades municipais, das evocações televisivas e digitais – está a ser colocado nas Liberdades. Nas liberdades individuais, nas liberdades cívicas, nos Direitos e Garantias que após a Revolução se tornaram constitucionais. A narrativa que está a ser exaltada – e toca-me especialmente a abordagem que é feita juntos das crianças e dos jovens – tem sido apenas na dialética do que não se podia fazer há 50 anos e hoje é considerado uma futilidade. Não se vai além disso. E é pena.

Ainda pusemos a hipótese de este facto se dever à atualidade, ao fio dos dias desta altura concreta da nossa vida coletiva. Mas nem isso parece fazer sentido.

É verdade que na noite eleitoral de 10 de março, no discurso de vitória do terceiro partido mais votado, foi declarado – em alto e bom som – que o milhão e tal de votos no partido de extrema-Direita eram a voz amordaçada dos oprimidos de Abril, que durante meio século foram obrigados a estar quietos e calados e agora se poderiam manifestar. É verdade, também, que este discurso do ‘eles andam aí’ ajuda a dramatizar o futuro e a justificar a necessidade de preservar e defender a Democracia enquanto regime político perfeito. Mas não é correto restringir e coartar a Revolução Democrática à dimensão política.

A atualidade deveria obrigar-nos a falar da Guerra. Porque hoje, quando comemoramos as Bodas de Ouro da III República, ouvem-se os tambores da Guerra. Não de uma Guerra Colonial, ou do Ultramar, ou da Libertação ou da Independência. Mas de Guerra com as maldades e destruições comuns a todas as Guerras. Esses tambores da Guerra ressoam quando se fala da necessidade de mais investimento nacional no armamento, quando se fala de recrutamento – com o regresso do Serviço Militar Obrigatório, por exemplo –, quando se justifica a beligerância com a soberania. Ecoam tambores da Guerra quando se crucificam os que falam da Paz – como se fez com o Papa Francisco quando este falou da negociação como caminho para o fim da Guerra na Ucrânia. Tudo isso, todos esses, são lancinantes gritos às Armas!

A Revolução do 25 de Abril acabou com uma Guerra que durou 13 anos que mobilizou para África noventa por cento da população jovem masculina portuguesa entre 1961 e 1974. Uma guerra que matou 10 mil homens portugueses e deixou inválidos e mutilados mais de 20 mil sobreviventes. Uma guerra que matou mais de 100 mil homens e mulheres civis que viviam nas antigas colónias portuguesas.

Uma guerra que foi travada longe – e talvez por isso tenha restringido as vítimas a quem vivia em Africa e aos mobilizados – mas que deixou marcas que ainda hoje perduram em milhares de vidas. Nos soldados que vieram mutilados física ou psicologicamente, e nas famílias que suportaram silêncios, traumas e restrições muitas vezes indecifráveis.

Não faz sentido comemorar o 25 de Abril sem lembrar o mal da Guerra – de todas as Guerras, as do Passado e as do Futuro –. Sem celebrar o fim de uma guerra maldita e traumática.

Viva o 25 d’Abril. Viva a Paz! Abaixo a Guerra!