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Artigo de Opinião: Os Tiranetes (Parte II)


tags: 25 de Abril Categorias: Opinião quarta, 24 abril 2024

Amanhã haverá gaudio em todos os salões nobres da Democracia em Portugal. Celebraremos, finalmente, meio século sobre a data da Revolução que pôs fim ao Estado Novo e deu origem à Terceira República, o regime que usualmente apelidamos de ‘Depois dos 25 d’Abril’.

A Revolução dos Cravos permitiu dividir o tempo entre o ‘Antes do 25’ e o ‘Depois do 25’, e quando os atos humanos marcam e dividem o tempo – como já percebemos com o ‘antes do Covid’, o ‘no Covid’ e o ‘depois do Covid’ – é porque foram de tal modo relevantes que se sobrepõe às nossas próprias vidas e histórias pessoais.

Amanhã, nesses areópagos da Democracia, falar-se-á, entusiasticamente da Liberdade – da Liberdade Política, da Liberdade de Expressão, seguramente. Falar-se-á das ‘Portas que Abril abriu’ através do constitucionalismo no campo dos Direitos, Liberdades e Garantias. Serão denunciados os riscos e a precariedade de um regime que assenta na vontade abstrata de um Povo, que o populismo e a mentira estão a abalar.

Será assim em todo o lado. E todos baterão palmas. Uns vão meter cravos na lapela, outros não. Os que o fizerem serão do Lado Bom, os outros arriscam o Lado Mau. É assim. Foi e será assim!

Nesses salões nobres haverá, também, muitos tiranetes que encherão o peito para defender a Democracia, para falar de Liberdades, num exercício balofo de pura demagogia.

Tiranetes que dizem ser arautos da Democracia mas dividem as pessoas entre ‘os nossos’ e ‘os deles’ – entre os que são seus fãs e os que não o demonstram, e por isso são ‘do contra’. Distinção que depois alargam às associações, e às IPSS e às empresas e por aí fora.

Tiranetes que castigam quem ‘mete gostos’ nas criticas nas redes sociais e punem quem as faz. Tiranetes que gerem o dinheiro das autarquias que governam – especialmente em publicidade em jornais e rádios – distribuindo as verbas entre os jornalistas mais próximos, mais agradáveis, mais afáveis e pior, mais solícitos.

Há umas semanas, tive conhecimento de um presidente de Câmara que chegou a dizer a um comercial de um órgão de comunicação social que não haveria publicidade da sua autarquia no referido jornal enquanto o periódico fosse ‘tendencioso’. E o que queria este tiranete (de trazer por casa, eleito presidente da Câmara, é certo, mas um ditadorzeco, apenas) dizer com o ser ‘tendencioso’? Essa foi a pergunta do comercial do jornal. Entre sorrisinhos simpáticos, a resposta foi que não eram publicadas as fotografias em que o presidente da Câmara aparecia. Dizia até – veja-se a preocupação deste autarca – que as fotos eram cortadas para ele não aparecer. Também acusava o jornal de alterar os textos (os comunicados) que o gabinete de imprensa da Câmara mandava. E, claro, o tiranete também não gostava dos títulos das noticias que o jornal publicava.

Este presidente da Câmara amanhã vai vestir a sua mais cândida camisa, talvez até com gravata vermelha, e vai pôr o cravo ao peito. Por fora vais ser o mais lustroso dos democratas. Por dentro é um tiranete cinzento a cheirar a mofo.

A Revolução do 25 d’Abril foi feita para Descolonizar, para Democratizar e para Desenvolver Portugal. Estes tiranetes travestidos de democratas não permitem uma democratização do país, e também não conseguem deixar de obstaculizar ao seu desenvolvimento. Os riscos da Democracia portuguesa não estão todos do lado da Direita demagógica. Estão em muitos (pena que tantos tantos tantos) tiranetes de todos os partidos e movimentos políticos e cívicos, em pequenos gestos e decisões do quotidiano. Saber distingui-los é o desafio da Democracia hoje, a par das fake news, combate esse que só se faz com jornalismo livre. Os tiranetes acharão sempre que combatê-los é tendencioso, mas não é.

Viva o 25 d’Abril. Viva a Democracia! Abaixo os tiranetes!