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Diária

Entrevista ao fadista José Guerreiro


tags: Oliveira do Bairro Categorias: Região, Entrevista quinta, 24 abril 2025

 

JM - O que é para si o fado?

JG - O Fado para mim é uma canção urbana com origem na cidade de Lisboa e nos seus bairros mais populares, donde destaco Alfama, Bairro Alto e Mouraria e que começou a ser cantada com frequência ainda no século XIX. Atingiu tal notoriedade no decorrer do século XX que se transformou na nossa canção mais representativa e para o provar temos de ter em linha de conta a quantidade enorme de pessoas que o canta e, entretanto, já vivemos um quarto do século XXI.

 

JM- Como Barreirence conheceu o fado Lisboeta, que recordações tem dessa época?

JG- Como barreirense comecei a cantar nas coletividades da minha terra e confesso que nunca fui frequentador da noite em Lisboa, quem sabe, devido aos meus afazeres profissionais e porque fui sempre fadista amador. Nunca dependi financeiramente do fado muito embora ao longo da vida tenha tirado partido de pequenos cachés que fui angariando com as minhas atuações. Com respeito ao fado vadio, sinceramente não gosto muito desse termo. Fado vadio para mim são aqueles fadistas que se consideram de baixo valor e que cantam de borla enquanto os músicos e o dono da casa arrecadam a receita.

 

JM- Canta fados com letras suas sobre a Bairrada e Aveiro, o que o motivou?

JG- Escrevi realmente dois fados dedicados à cidade de Aveiro e à sua famosa Ria como forma de agradecimento pelo modo como toda a gente sempre me recebeu e tratou. Pena que a câmara municipal nunca tenha feito grande caso disso. O fado que escrevi dedicado à Bairrada é no fundo para retratar um pouco da região onde moro há tantos anos e mais recentemente escrevi um fado dedicado à vila de Oiã, localidade onde resido hã 28 anos.

 

JM- Os fadistas cantam de olhos fechados, porquê? Deve-se ao sentimento ou fatalidade das letras?

JG- Cada fadista tem o seu estilo e a sua forma de cantar. Os que cantam de olhos fechados na minha perspetiva só pode ter uma de duas explicações. Ou falta de coragem para olhar de frente as pessoas que o estão a escutar ou então é mesmo o sentimento resultante da história que estão a cantar em verso.

 

JM- Com 76 primaveras, continuando ativo, o que lhe falta fazer no resto da vida?

JG-Completo em outubro, se lá chegar, 77 anos. O que me falta fazer na vida? Acima de tudo tentar escrever mais um romance. Uma história bem urdida e que consiga prender os leitores da primeira à última página. Depois do modesto sucesso da homenagem que fiz ao meu pai no “ALENTEJO SEM SOMBRA” e igualmente no romance “DO NORDESTE À BAIRRADA” onde faço uma aliança da região onde moro com uma região que conheço muito bem e da qual gosto particularmente, que é o nordeste transmontano, gostava de fazer outra ´história que me enchesse de satisfação, assim a inspiração não me faltasse. Tenho outros quatro livros editados completamente esgotados e se quisesse escrever livros de poesia podia escrever uma dúzia que ainda me sobrevam poemas, o problema seria depois comercializá-los num país onde se lê tão pouco e poesia ainda menos. Vou divulgando uma pequena parte do que vou escrevendo no Facebook e já me sinto muito feliz com os comentários de quem me lê.

Com respeito a cantar o fado, quero ir cantando um fado aqui outro ali e ali até que a voz me doa.

 

JM- Apesar da sua dedicação á rádio província de Anadia, onde consolava os ouvintes, explicando as origens dos vários fados que passava, de repente foi afastado. Quer explicar aos seus ouvintes o que se passou?

JG- A rádio é outra das minhas paixões. Porque amo o fado e porque gosto de servir o fado de todas as maneiras possíveis e a rádio foi na minha viva um excelente meio para o divulgar. Passei pela Bairrada FM e pela Vagos FM mas foi na rádio Província em Anadia que permaneci mais tempo em antena. Fiz sempre boas e duradouras amizades através dos meus programas e que quero recordar aqui. Na Bairrada FM em Oliveira do Bairro comecei por fazer UMA HORA COM O FADO em estreia absoluta e depois ainda substitui um colega doente no programa MÚSICA E NOTÍCIAS, este um programa mais generalista.

Em Vagos, na rádio VAGOS FM fiz um programa de fados que se chamava RETALHOS DO PASSADO.

Finalmente em Anadia na rádio Província comecei por fazer o SOLAR DA BAIRRADA exclusivamente dedicado ao fado e com pedidos dos ouvintes, feitos antecipadamente porque os CDs são meus e eu é que os levava de casa e mais tarde comecei a fazer um excelente programa generalista AVENIDA DA MEMÓRIA e o meu sucesso aumentou consideravelmente e tudo corria sobre rodas. As amizades com os ouvintes foram-se aprofundando e ainda hoje perduram. Entretanto chegou a pandemia e o dono da rádio sem razão nenhuma para o fazer, porque eu entrava e saía da rádio sozinho sem me encontrar com ninguém, suspendeu os meus programas por causa da pandemia e eu senti-me muito magoado com tal atitude e os ouvintes ainda muito mais e hoje passados que são 5 anos, mantêm-se em contacto comigo e ainda fazemos belos convívios de vez em quando.

 

JM- Quer deixar aos amigos e ouvintes que muitos ainda se deslocam para o ouvir cantar; quer deixar alguma mensagem?

JG- Aos meus ouvintes de todos os quadrantes deixo aqui um caloroso abraço com a certeza de que, se um dia ainda viesse a ter uma oportunidade de voltar a fazer rádio, faria tudo como fiz antes, na rádio Província. Um grande bem-haja a todos e muito obrigado pelo permanente apoio enquanto permaneci na rádio e depois disso também.

Este é José Guerreiro. Não teve perfil académico, mas regenerou-se e com vontade própria aprendeu tudo o que podia, homem bom ajudou jovens fadistas a lançarem-se.

Quando é solicitado para cantar em festas beneficência aceita colaborar gratuitamente. Em 2024 somava 2009 atuações, 11 presenças na televisão, tendo atuado em Espanha e França. Cantou e encantou em todo o Portugal exceto no distrito de Portalegre. Diz com agrado “que felizmente há muita gente jovem a cantar bem o fado (nem todos)”. Desde 1985 começou a escrever "proza e verso", elevou a um patamar muito alto o seu perfil de fadista amador (veja-se esta humildade).

Trata-se de facto de uma figura ímpar, simples de personalidade bem vincada e amigo do seu amigo.

No mítico café de Sta. Cruz em Coimbra, cantou há pouco tempo também o fado de Coimbra na samaritana, foi aplaudido de pé. Continua a conviver com antigos ouvintes e amigos em grandes tertúlias onde o Sr.José e outros fadistas dão voz a esta riqueza cultural que é o fado.

Obrigado José Guerreiro por ser nosso amigo, um grande abraço.

Santos Luís