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João Pega
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Diária

Democratizar, Descolonizar, Desenvolver…


Categorias: Opinião sexta, 09 maio 2025

Foi assim, há 51 anos, que se planeou e se realizou uma revolução, tida, a nível mundial como exemplar. Sem violência, com um número de mortes reduzido (para aquilo que se pode imaginar num golpe de estado de cariz militar), embora sempre lamentáveis. Com urbanidade e generosidade, com humanismo para com as forças inimigas e contra as forças mais desumanas de um regime que prendia, torturava e decidia sem julgamento, sem justiça, sem humanidade.

Foi assim que, num golpe de redenção, as forças militares que entregaram a república à ditadura, em 28 de Maio de 1926, devolveram a liberdade aos homens e mulheres do seu pais, em 25 de Abril de 1974, como que num acto de contrição de quem repõe a verdade que outrora tollheu.

Homens abnegados, os militares de Abril, sob um horizonte que colocava, em risco, as suas vidas, quer fisicamente, quer no seu conforto (todos tinham a sua família, o seu sustento e as suas “”, como o comum dos mortais). Decidiram, com altruísmo e com dedicação, colocar a sua vida em causa em prole de um bem maior. Obrigado!

Com o intuito claro de Democratizar a decisão aos cidadãos, propósito que cumpriram com a realização de eleições livres. Não retiveram o poder. O objectivo era Democratizar e foi esse o esforço e foi esse o resultado.

Continua a ser necessário democratizar. Não há verdadeira democracia sem sufrágio livre, mas não há sufrágio livre sem instrução capaz de o suportar. Temos que continuar a melhorar o nosso processo de instrução global, não só a escolaridade obrigatória, mas também os processos de reciclagem e de aprendizagem contínua. O conhecimento não para, a aprendizagem é um caminho, nada está concluido. Abril não pode parar. É necessário Democratizar as instituições, as escolas, os serviços de saúde, os serviços de justiça, as forças de segurança, os meios de comunicação. Em todos eles vivem, ainda, “gentes” do estado novo, sementes e raízes daninhas que é necessário mondar, com a mesma generosidade com que se iniciou, em 1974, mas com a mesma firmeza e determinação.

Com o objectivo de Descolonizar. Com danos colaterais, é certo, com desalojados, espoliados, refugiados, muitos, muitos… Mas com dano menor do que aquele que estava a ser causado aos povos nativos e naturalmente detentores daquelas terras. Com danos colaterais, mas diminuindo e eliminando a morte de soldados numa guerra por uma terra que não era nossa.

Tivéssemos iniciado uma descolonização pacífica, ordenada, planeada no tempo (abraçada por Salazar ou por Caetano, que sempre a recusaram, num “orgulhosamente sós”), e tudo teria sido diferente, tudo teria sido mais justo, tudo teria sido menos penoso.

Mas foi conseguido. Os nossos homens deixaram de morrer na guerra, sofrer, adoecer, de ficar estropiados (física e mentalmente). Deixámos de ser onerados por uma guerra que consumia recursos que se retiravam da boca, do vestir, do calçar, da instrução, da saúde, da alimentação, da habitação, dos nossos cidadãos.

Ficaram feridas abertas, que nos deviam doer, ainda, que devíamos, ainda, sentir como nossas. Deixamos esses países em guerra civil, desgraçados… (culpas de uma descolonização tardia, não de uma descolonização mal feita. Foi a descolonização possível depois da persistência, longa, no tempo). Culpa da repressão, da falta de desenvolvimento que devíamos aos povos explorados e colonizados. Sejamos humanos e conscientes, que não faz mal aos democratas e muito menos aos reacionários e conservadores.

É necessário continuar o esforço de descolonização. É necessário continuar a não apoiar colonizadores potenciais (A leste, no médio oriente, em áfrica). É necessário educar, instruir, no sentido da não colonização do cérebro do outro. Esse é o colonialismo germinante de todos os colonialismos. É necessário combater as ideias populistas que propalam chavões de prisões com a mesma facilidade que deveríamos propalar liberdades. Não estamos a falar de tibieza ou de negação ao sistema penal. Estamos a falar da liberdade de pensamento, da liberdade religiosa, da liberdade de decidir sobre assuntos do foro íntimo. As minhas ideias são as minhas ideias, as ideias dos outros são a liberdade dos outros. Não posso impor as minhas ideias a todos. As minorias têm que ver os seus direitos garantidos para que as minhas também o sejam (isso é democratizar, é descolonizar e desenvolver).

Desenvolver. Eramos um país bafiento, cinzento, que vivia nas sacristias, alimentado a migalhas de hóstias, com a ameaças de infernos (quando não o ardente, o dos tarrafais, o da miséria, o do enxovalhamento público). Sem comunicação com o resto da Europa, vedados às suas ideias, quer tecnológicas quer científicas, quer ideológicas e filosóficas. Com condições de saúde miseráveis, com habitação deplorável, de higiene sanitária de terceiro mundo (numa cultura de pobrezinhos, mas honrados, da minha alegre casinha, do pé descalço, do trabalhador à jorna, escolhido à vara nas praças públicas para trabalhar de sol a sol, de ver a ver).

Continua a ser necessário desenvolver. Tu, esclarecido, cumpre o teu dever. Desata o nó das tuas boas ações diárias. Informa, esclarece, combate as ideias fáceis, combate os chavões de “queimá-los vivos”, do “prendê-los para sempre”, de “penas de morte”, de “todos os imigrantes são bandidos”, de “primeiro nós”. Não há nós quando o outro não é dignidade, quando o outro tem fome, quando o outro não tem saúde, quando todos temos falta de instrução e esclarecimento.

Nós necessitamos de penas de vida e não penas de morte. Disse.

VIVA O 25 de ABRIL!!