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Crónicas Locais - 262 - A Bitola Europeia


tags: Opinião, Ferraz da Silva, Crónicas Locais Categorias: Opinião quarta, 20 março 2019

Há uns anos a esta parte falava-se por aí sobre o nó ferroviário da Pampilhosa do Botão e na transformação do entroncamento num nó ferroviário de distribuição do trânsito europeu a partir do centro do país. Foi uma ideia que passou pela cabeça da nossa intelectualidade de trazer por casa e logo se deu como facto consumado para ganhar eleições. Ao ouvir hoje os ministros da geringonça a falar, compreendemos melhor a filosófica panaceia que está por trás de quem pensa neles e não conhece minimamente o país onde vive e muito menos o continente onde está.

O “ministreco” que andou por aí a mentir sobre a ferrovia dizendo que finalmente iriamos ter uma ligação com a Europa a partir do porto de Sines, esquece que essa ligação já existe desde 1882 através da Beira Alta. Esquece, mente ou não sabe?

Não posso acreditar que um ministro candidato ao parlamento europeu não tenha esta elementar informação, mas pior é quando um primeiro-ministro o premeia com o lugar na Europa. É muito mais espantoso e amplifica a coisa. Um primeiro ministro que de democracia não sabe o ABC, quando ele próprio nomeia quem lhe apetece para as cortes europeias, escolha que democraticamente caberia aos militantes fazer, já que ao cidadão não cabe nada, apenas ir votar nos que já estão nomeados pelos chefes partidários. Sendo assim, vamos votar em quem, se já estão todos nomeados?

Noutros tempos, lembro-me perfeitamente, uma União Nacional fazia a mesma mascarada e por isso os pais misturavam-se com os filhos, os maridos com as mulheres, os compadres, os primos, os afilhados, enfim a mesma dúzia de famílias levavam para casa a riqueza do país e ocupavam os melhores “tachos” nascidos do Estado Novo. Afinal, nada mudou, a ética é a mesma, a imoralidade só mudou de mão, para pior, pois agora são muitos mais a alimentar-se do bolo de todos nós, os contribuintes.

É a mesma falta de ética que reserva aos partidos o direito de concorrerem a um lugar no Parlamento europeu, quando os restantes portugueses não têm esse direito, não há maneira nem via de lá poder chegar, tudo se resume à teta partidária e nada mais. A falta de ética continua agora multiplicada por meia dúzia de partidos, afinal os únicos portugueses de primeira classe com acesso à Europa comum. Em exclusividade. O mesmo que fazia a União Nacional. Os servos da gleba, os vilões, os camponeses, os trabalhadores, a arraia-miúda arremata-se por umas festas e favores, vão às urnas, levam dez euros de aumento do rendimento por ano e borram a pintura. A base é a promiscuidade imune que se criou à volta do poder e se espalhou país fora como polvo tentacular. O emprego político, o compadrio, a cor da mão no ar, a filosofia da bola e das cristinas.

Assim se nomeiam os que na comunicação social tem a estultícia barata de nos dizer que a ferrovia em bitola europeia nos rouba competitividade. O que pode saber de política o “ministereco” que diz isto?

Para além de dizer adeus ao nó ferroviário suposto na Pampilhosa, o que nos vai acontecer sem a bitola europeia é que daqui a poucos anos os nossos comboios, se ainda existirem comboios, não passam na fronteira castelhana por falta de bitola. Ou de cachola, uma vez que eles, espanhóis, andam há muito tempo a alterar as suas linhas para a bitola europeia, recebendo dessa Europa uma comparticipação de 85% das obras levadas a efeito. A bitola ibérica tem os dias contados, seremos os últimos em ferrovias, como somos em muitas outras coisas. O que nos vai acontecer é o isolamento puro e simples em termos de transportes terrestres, vergonhosamente sós mais uma vez, em termos duma gestão séria, lógica, inteligente, que nos colocasse, já nem digo no futuro, mas num presente que já nasceu ontem. Quando a China vai colocar a rota da seda ao alcance ferroviário da Europa, Portugal nem sequer consegue fazer cumprir a velocidade máxima de 240 km/h entre Lisboa e Porto, por falta da estrutura adaptada no corredor do pendular.