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O Saneamento do Regime


tags: Mauro Tomaz, Regime, Saneamento Categorias: Opinião quarta, 17 abril 2019

Os tempos que correm no PS são de grande volatilidade, com decisões muito importantes a serem tomadas de acordo com critérios imprecisos e aparentemente influenciados por questões laterais, como as duas eleições que vamos ter este ano. Falo, por exemplo, da mediática polémica das nomeações de familiares para cargos no Governo, ou em empresas subalternas, e ainda as diferentes propostas com vista a apertar a malha aos deputados/advogados. Ambos os dossiers são extraordinariamente necessários no cada vez mais inevitável processo de higienização da nossa classe política, ou o saneamento do respectivo regime, mas o partido tem revelado inconsistências várias tanto num como no outro, com avanços e recuos perfeitamente escusados que vão pondo a nu muito daquilo que pior se passa no seio do grupo de dirigentes que nos representa: interesses, promiscuidades e manobras obscuras. Quando os ventos da conjuntura nacional destes últimos anos pareciam soprar com força a favor do universo socialista, todas estas indefinições parecem-me hoje obviamente nocivas do ponto de vista eleitoral, sendo que a culpa é 100% própria. São casos a mais e não há nenhum protagonista político sério e minimamente responsável que o consiga desmentir, tirando os que se escudam no sempre avalizador silêncio típico dos simpatizantes e militantes empenhados por qualquer coisa mais do que simplesmente exercer o seu dever cívico e zelar pelo superior interesse público, que é o de todos nós e não o de meia dúzia de privilegiados “yes´s”, familiares ou afins. A fidelidade canina continua a ser valorizada e hierarquicamente compensadora no seio dos grandes partidos, pelo que se torna cada vez mais importante combatê-la com unhas e dentes, na defesa do próprio sistema contra populismos crescentes e diversas correntes extremistas que se encontram hoje em perigosa ascensão. 

Pelo saneamento do regime, outra questão que me continua a preocupar imenso é a relação de interdependência umbilical entre Justiça e Política. O antigo ministro Miguel Poiares Maduro concedeu há pouco tempo uma entrevista que me pareceu particularmente interessante, onde afirma que "a classe política procura transferir problemas éticos para a Justiça para depois dizer que não pode comentar". MPM diz que "uma sociedade democrática e civilizada não pode confundir aquilo que é certo e errado com uma mera decisão sobre se é legal ou ilegal". Na actualidade que conhecemos, isto para mim é de sobeja importância. O antigo ministro disse ainda que "temos que ser capazes de fazer juízos éticos, juízos morais, na nossa sociedade, independentemente das questões jurídicas que também possam ser suscitadas". Hoje em dia, como tudo o que é questão mais sensível a cair no escrutínio público e institucional acaba por provocar “esquecimentos” dos mais diversos protagonistas que no mínimo caem no domínio do ridículo, dada a infantilidade latente transparecida por homens de barba rija no exercício de cargos de elevada responsabilidade, ser capaz de ter uma opinião bem formada, e naturalmente crítica, é cada vez mais um corajoso acto de cidadania. Mesmo perante escândalos com evidências claras consideradas como provadas pelas autoridades competentes, há ainda muita gente que assobia para o lado, refugiando-se no facto de que "cabe à Justiça condenar as pessoas", isto mesmo quando já se sabe a crónica iniquidade desta em relação ao poder e aos poderosos. Basta por exemplo recordar que a primeira é desenhada pelos segundos... dizia-me há uns tempos um amigo, por sinal muito bem informado sobre o assunto, que “os processos não são complicados por acaso. São complicados porque tens de encaixar tanta tralha jurídica para acusar um político que estás condenado a deixar buracos por onde os ratos possam avançar. Isto tem a ver com um emaranhado de leis criadas pelos próprios e cuja aplicação é um desafio sobre-humano sempre que estão em causa crimes relacionados com corrupção, peculato, falsificação de documentos, etc.” 

Ponto.