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Crónicas Locais 264 - A Transparência das Coisas


tags: Ferraz da Silva, Transparência, Coisas Categorias: Opinião quarta, 17 abril 2019

O que faz os portugueses não gostarem dos seus governos e políticos é o facto de não haver políticos nem governos. Daí a desconfiança, o descrédito que se abate sobre a classe que manda e sobre aqueles que, intitulando-se políticos profissionais, não passam de muito maus amadores da coisa pública. Sem sombra de dúvidas, podemos afirmar que neste momento o governo é Centeno, o resto são pataratas para enfeitar os festejos e para entreter o circo. Certo que nesse entretenimento entram atores de variados matizes prosseguindo várias modas, mas acabado o espectáculo, mau e comprometido, tudo se resume ao vazio onde se vive. Vivemos nesse nada há dezenas de anos, já vimos acabar uma classe média, aumentar uma classe pobre, já fomos roubados por banqueiros, por políticos charlatões, por administradores prepotentes, já assistimos a fugas massivas da nossa juventude para o estrangeiro por falta de trabalho, já engordamos novos-ricos com dinheiros dos impostos, já enriquecemos privados, um regabofe anárquico que parece incrivelmente perpétuo, metrónomo, pendular.

Nesta matéria de regabofes a respetiva classe protagonista tem sido tão profícua, persistente e rendosa que se trabalhasse em prol deste país talvez a miséria e pobreza atávicas que nos perseguem há séculos fosse coisa do passado. Mas não.

Como já disse, não há governos. Volto a dizer. Há Centeno, ele é o governo. Podia dispensar a maior parte dos eleitos e nomeados para poupar no deficit e amortizar a dívida. Ele, que tem o poder supremo de cativar e descativar o que quer. Ele que, graças a Deus, honra lhe seja feita, tem mantido em sentido o circo circular que o rodeia, um monte de empatas que lhe moem mais o juízo que os ministros das finanças dos vinte sete, dos quais é presidente. Acredito que o homem se vê grego para os pôr em sentido e por isso lhe tiro o meu chapéu, mas não sei ainda se é ele que lhes retém as reservas ou os galões de Harvard que põem os outros na forma. De qualquer modo o homem cativa e descativa, espécie de jogo de xadrez onde todos espreitam os furos e todos têm de acatar a poderosa lei dum mestre. Incluindo o cheque ao rei.

Face a esta realidade, o circo tem que se entreter com outras coisas, organizar outros espetáculos e sendo assim, nada de meias medidas, foram buscar a ideia aos insulares e começaram a juntar famílias dentro dos seus gabinetes. É uma promoção doméstica trazer a casa para a rua, para os gabinetes, secretárias, para as cadeiras onde resta poder fora das cativações para colocar os seus. Mulheres, filhos, tios, primas, afilhados, padrinhos, cunhados, amigos, correligionários, clientela…

Ficaram de fora os cães quando a comunicação social noticiou as benesses, a falta de ética e de transparência e o Presidente Marcelo pôs a boca no trombone alarmando a parentela! Ora a meu ver, a coisa não tem razão de ser, basta legislar no sentido da morte do sentido de Estado e legislar no sentido da família e falta de ética. Escreve-se, está feito. Se ainda há poucos dias o Parlamento legalizou as ofertas feitas aos políticos, as viagens inexistentes, e outras benesses de origem duvidosa, porque não legislar o sentido da família ministeriável? Porque não o ministro familiar? O ministro das suas mulheres, dos seus primos, dos filhos e enteados? O ministro dos amigos? O dos animais? Afinal, que importância tem o facto do meu primo me nomear para um tacho na Santa Casa, na CCDR do Centro ou no seu próprio gabinete para o acompanhar nuns copos?

Quanto à transparência, desde as autarquias aos mais altos cargos da nação, esta promiscuidade já existe há muito tempo, nos Açores e na Madeira nem se fala, nas Berlengas não se sabe e nas ilhas Selvagens abre-se um conflito com a Espanha para regularizar a questão.

Na minha opinião, deixem o Centeno em paz e dediquem-se às brincadeiras infantis com a grande vantagem de o povo tomar as crianças por ingénuas e inocentes. E infantilizar-se também.

Luso, Abril, 7