Quem sou eu para julgar!?
Quando começou a falar comigo, percebi que estava ansiosa, sobretudo pela sua postura inquieta, diante de mim. Senti que não estaria bem, ou melhor, que estaria a sofrer.
Lá foi desabafando. Já passou por muito, mas sempre conseguiu vencer as dificuldades, curar as feridas e avançar para à frente. Contudo, agora sente-se destruída, sem forças e sem vontade. Chegou mesmo a dizer-me:
- Estou completamente vazia. Não tenho nada nem ninguém! Meu Deus, até me apetece acabar com tudo de uma vez!
Apercebi-me que a sua dor era muito profunda e não se resolveria com meras palavras piedosas ou conselhos abstratos. Está a ser injustiçada. Acusam-na de algo grave que não fez e de que não tem culpa alguma. O pior de tudo é o julgamento público a que continuamente está sujeita e os ataques que a atingem.
- Até hoje, perante tanta mentira e falsidade que usam para me acusar, ninguém se levantou para dizer a verdade. Sim, senhor Padre! Há muita gente que sabe que sou inocente. Mas calam-se… Não querem saber. Como é possível. Não percebem que estou a ser destruída!
Entretanto, chorava, copiosamente:
- Nem a minha família quer saber. Os filhos não ligam e o marido só pensa nele. A única coisa que me disse foi que não lhe arranjasse problemas e pusesse tudo para trás das costas. Mas é a minha dignidade, é a verdade da minha consciência…!
Com efeito, todos os dias somos condenados pelos outros de forma imprudente. Há sempre quem nos aponte o dedo e faça vários juízos a respeito do que dizemos e fazemos, do que temos, do que somos e do que não somos, tudo baseado nas aparências.
Como é duro ser julgado de forma precipitada e sem fundamento por aqueles que se julgam o centro do mundo. Dói muito ser vítima de injustiça. Por vezes até o bem que fizemos é interpretado como um mal. Outras vezes, cometemos erros e somos julgados sem grande justiça, apenas de forma rápida e definitiva.
Afinal, cada um de nós também faz o mesmo aos outros. Julgamo-los de forma imprudente, apontamos o dedo e condenamos com grande rapidez e rispidez, sem nenhuma compaixão ou caridade. Julgamo-nos sempre excelentes juízes das vidas alheias.
A medida da minha justiça para com os outros é simples: quem é como eu, está bem; quem assim não é... É mau! Nós não somos a medida de todas as coisas, somos menos, muito menos. Somos quase nada! Mas, preferimos a comodidade do mal.
No entanto, ainda há quem mostre que é possível construir uma vida com sentido profundo, com respeito por si e pelos outros, escolhendo bem, escolhendo o bem. Fazendo-se melhor, para si mesmo e para os outros.
Nos nossos dias e à nossa volta o «silêncio» de quem sabe quem é, e sabe o que quer, desconforta muito quem não é senão uma aparência do que gostava de ser...
Nestes dias de Páscoa, seria bom cada um encontrar um tempo de paragem e responder a algumas questões:
Será que temos coragem de assumir a verdade do que somos? O que quer cada um de si mesmo, da sua vida?
O que julgamos, o que dizemos, o que fazemos, estabelece a nossa identidade. Cria a nossa essência. Define-nos. Mostra a nossa identidade. Mas seremos capazes de assumir e justificar sempre as nossas decisões?
Damo-nos conta de que podemos mudar quase tudo na nossa vida?
Quem somos nós para julgar os outros? Quantas vezes a verdade está diante de nós e não a queremos ver?
Respondendo, cada um, a estas questões, muitas pessoas não chegavam ao sofrimento como o daquela mulher que me bateu à porta.