Dia Internacional da Gaguez - Defeito ou Feitio? Mitos e Barreiras

O Dia Internacional da Gaguez celebra-se este domingo,xa022 de outubro.
A data, estabelecida em 1998, visa mostrar as dificuldades, traumas e receios que as pessoas com gaguez enfrentam diariamente quando tentam comunicar com outras pessoas.
Estima-se que existam cerca dexa0100 mil gagos em Portugal e 68 milhões no mundo, sendo que este problema na fala afeta mais os homens do que as mulheres.
Segundo a Associação Portuguesa de Gagos (APG), a gaguez é uma perturbação da comunicação em que a pessoa sabe exatamente o que quer dizer, mas o seu discurso é caracterizado por disfluências. Estas podem englobar repetições, prolongamentos, pausas inesperadas e bloqueios, podendo observar-se movimentos faciais ou corporais associados.xa0xa0
Muitos têm sido os estudos realizados com vista a compreender melhor quais as causas desta perturbação, porém, ainda nos dias de hoje não existe consenso. No entanto, recentemente uma equipa liderada por Luc de Nil na Universidade de Toronto revela que a gaguez é uma perturbação da comunicação muito complexa, que combina predisposição genética com dificuldades na integração dos sistemas linguísticos e motor, o que poderá justificar a dificuldade em encontrar uma explicação sobre a sua causa. Estima-se que mais de 68 milhões de pessoas no mundo tenham gaguez, e cerca de 100.000 estão diagnosticadas em Portugal.
Torna-se essencial referir que são muitas as vezes em que alterações psicológicas são erradamente apontadas como uma causa da gaguez, devendo ser consideradas como uma possível consequência da gaguez, decorrente do meio em que a pessoa está inserida e do apoio familiar que lhe é proporcionado.
Gaguez: transitória ou persistente?
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Quando se aborda este tema, é importante identificar e distinguir a gaguez transitória da gaguez persistente. A primeira ocorre entre os 2 e os 4 anos de idade durante um período transitório (cerca de 6 a 12 meses) onde as disfluências surgem em episódios cíclicos que aparecem e desaparecem sem causa aparente e de modo aleatório. Estas disfluências são caraterizadas maioritariamente por repetições no início do discurso e hesitações, mas não é observado esforço físico e/ou tensão ao nível da face e do corpo. Após o período referido (6-12 meses), a gaguez transitória passa a designar-se gaguez persistente.
Perante uma gaguez persistente, a pessoa terá que desenvolver estratégias que lhe possibilitem contactar com a sociedade em que esta inserida de forma regular e sem tabus. No entanto, para que isso aconteça de forma natural, torna-se crucial desmistificar diversos mitos ainda tidos como verdades absolutas no seio da nossa sociedade. São exemplos deles:
As pessoas com gaguez não são inteligentes;
A timidez, insegurança, o nervosismo e a ansiedade causam gaguez;
Dizer à pessoa “Respira Fundo” ou “Pensa antes de falar” ajuda a superar os momentos de disfluência;
Causas emocionais, como um susto ou um episódio traumático na vida da pessoa podem causar gaguez.
A mistificação e o desconhecimento desta perturbação têm um impacto considerável no dia a dia das pessoas que gaguejam, podendo até ser considerados como as principais barreiras. É recorrente ser alvo de ridicularização, por vezes inconsciente, por parte da sociedade, que nem sempre possui conhecimentos suficientes e reais sobre a pessoa com disfluência. Esta ridicularização poderá ter consequências negativas, principalmente se ocorrer em contexto escolar ou mesmo na sala de aula. As crianças que são alvo de “chacota” por parte dos colegas, acabam por sentir dor e angústia e podem mesmo tornar-se inseguras e revoltadas. Tudo isto pode levar a desistirem de tentar comunicar e até mesmo de querer ir à escola. Por isso, é importante que todo o ambiente envolvente seja adequado e que sejam tomadas estratégias adequadas também por parte dos interlocutores (familiares, professores, educadores, assistentes operacionais).
Estes interlocutores devem compreender que existem algumas atividades que podem ser consideradas mais complicadas para a pessoa com disfluência, como a leitura em voz alta com uma plateia (apresentação de um trabalho de grupo, de um projeto, leitura de um texto); entrevista de emprego; o falar ao telefone; dirigir-se a um estranho para pedir uma informação, etc.xa0 Cabe ao Terapeuta da Fala fornecer à pessoa que gagueja estratégias e ferramentas que lhe possibilitem a comunicação com terceiros de forma mais confiante e eficaz.
O Terapeuta da Fala e a Gaguez: Estratégias de comunicação
No serviço de Medicina Física e Reabilitação do Hospital da Misericórdia da Mealhada são de várias faixas etárias as pessoas que recorrem à intervenção em Terapia da Fala para colmatar as dificuldades sentidas. Desde crianças a adultos, existem diferentes metodologias de intervenção que permitem ao terapeuta adaptar o seu plano terapêutico a cada caso, tendo em consideração as suas características. Apesar de poder ser, regra geral, um tratamento prolongado, a família e amigos desempenham um papel muito importante na eficácia da intervenção, devendo seguir um conjunto de sugestões que lhes podem ser transmitidas, devendo reconhecer como agir e quais os comportamentos a evitar de forma a potenciar ao máximo uma comunicação fluente.
Bruno Santos, de 34 anos, é atualmente acompanhado neste serviço e considera que a gaguez pode ser considerada um defeito em oposição a uma qualidade, pois pode ser condicionante num primeiro contacto com as pessoas e em certas situações, tal como ocorreu ao próprio perante uma entrevista de emprego. No entanto não considera que a gaguez seja feitio, pois, apesar de poder arranjar estratégias para melhorar, não é algo que sempre controla, nem que pode, por sua vontade, fazer desaparecer.
Na primeira pessoa, a gaguez é aqui considerada como “algo físico, que não me define, que consigo controlar, melhor ou pior, dependendo do meu estado de espírito e de quem me rodeia. É algo que também pode influenciar a relação com as pessoas. Esta influência é, na maioria das vezes, unilateral pois os outros nem sempre sabem como lidar com a minha gaguez, talvez por desconhecimento. Considero que não é um problema grave, e que apesar da crescente abertura da sociedade há ainda algum estigma, mas que nunca me impediu de realizar nada e que não interfere de forma significativa na minha vida pessoal ou profissional.”
Importa, portanto, ter conhecimento de algumas estratégias/conselhos que devem ser tidos em conta quando se depara com uma pessoa que gagueja, e que façam com que a comunicação com a mesma seja o mais natural possível.
Evite comentários como “Fala devagar”, “Respira fundo”, “Tenta novamente, mas com mais calma”;
Não tente terminar, adivinhar ou completar o discurso da pessoa que gagueja. Dê-lhe tempo;
Demonstre, através da sua linguagem corporal, que está interessado em ouvir o que a pessoa com gaguez está a dizer e não na forma como ela o está a transmitir;
Mantenha um contacto visual adequado, natural;
Note que, normalmente, uma pessoa que gagueja, apresenta maiores dificuldades em comunicar ao telefone, por isso, seja paciente.
Torna-se imperativo que a gaguez deixe de ser vista como um problema ou um defeito e sim como uma característica daquele indivíduo e que, portanto, não o impede de viver o seu quotidiano devidamente inserido na sociedade. Nesta perturbação da comunicação o interlocutor é uma parte fundamental do processo comunicativo e deve promover a participação da pessoa que gagueja.
A equipa de Terapia da Fala do Hospital Misericórdia da Mealhada,
Lígia Soaresxa0
Mariana Pratas
Maria João Lousada
Filipa Cerveiraxa0
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