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“Uma Igreja fechada não serve para nada, só serve para si mesma” - D. Virgílio Antunes


Categorias: Região quarta, 21 fevereiro 2018

Numa altura em que prepara uma deslocação ao concelho da Mealhada, integrada na sua visita pastoral ao arciprestado de Coimbra Norte, D. Virgílio Antunes concedeu uma entrevista ao Jornal da Mealhada, em que antecipa as expetativas para o que vai encontrar na região. O bispo de Coimbra visita as paróquias de Luso e Pampilhosa a 24 e 25 de fevereiro e 2 e 4 de março. De 13 a 15 e de 19 a 22 de abril, desloca-se às paróquias de Mealhada, Casal Comba e Vacariça. Uma visita que vai permitir um contacto mais próximo entre o bispo e a população, num ambiente de convívio e celebração da fé.

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No âmbito da sua visita pastoral ao arciprestado de Coimbra Norte, e consequentemente à região da Mealhada, o que podem os paroquianos esperar?

A visita pastoral é um encontro e isso é aquilo que eu valorizo mais. Um encontro do bispo com a população, concretamente com os católicos, mas também com todos os que estiverem disponíveis ou que tiverem algum desejo ou interesse de encontrar o bispo de Coimbra que, no cumprimento da sua missão, vai ao encontro do povo que foi confiado à sua solicitude pastoral. Naturalmente, o encontro é feito de palavras, de diálogo, de celebrações da fé, de visitas às instituições e de algum convívio. No fundo, tudo aquilo que faz parte da razão de ser da fé cristã, no contexto da Igreja Católica.

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Em que difere esta visita de outras que já efetuou a esta região anteriormente?

Neste caso, é uma visita mais longa. São vários dias em que percorrerei todas as capelas, igrejas e instituições da região, de acordo com o programa estabelecido. É uma visita com muito mais tempo que permite um contacto e um diálogo com aquelas terras e aquelas gentes e que permite também às pessoas conhecer o bispo, uma vez que há um conjunto de laços de caráter espiritual, que do ponto de vista da fé nos unem. Não tivemos ainda a oportunidade de ter um encontro, que não fosse dentro da celebração da missa, que não possibilita um contacto pessoal tão próximo.

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“[A Mealhada] é uma região da diocese de Coimbra com que tenho uma amizade e uma estima muito grande”

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O que conhece do concelho da Mealhada? Que expetativa tem para aquilo que vai encontrar?

A Mealhada sempre foi um lugar de passagem, como sabemos. Conheço algumas instituições, algumas pessoas e algumas comunidades paroquiais, mas existem muitos outros dinamismos económicos e sociais, até mesmo de ensino e cultura que não conheço. É uma região da diocese de Coimbra com que tenho uma amizade e uma estima muito grande, mas o meu desejo é agora entrar numa profundidade de conhecimento. Vou muito livre, sem preconceitos, sem ideias predefinidas, aberto a tudo aquilo que aparecer. Também penso que essa é a atitude melhor por parte das pessoas que lá se encontram.

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Apesar de pertencer ao distrito de Aveiro, qual a razão do concelho da Mealhada fazer parte da diocese de Coimbra?

A diocese de Coimbra inclui todos os concelhos do distrito de Coimbra, a Mealhada do distrito de Aveiro, Mortágua do distrito de Viseu, Ferreira do Zêzere do distrito de Santarém e cinco concelhos do distrito de Leiria. É uma questão histórica da divisão das dioceses que não coincide com a divisão dos antigos distritos. Neste caso, a Mealhada é tão vizinha de Coimbra que se entende plenamente que a questão da proximidade e da vizinhança terá sido a motivação para que, quando a diocese de Aveiro foi criada, não se tivesse incluído o concelho da Mealhada.

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Como analisa a crescente falta de clero e um certo esmorecimento cristão que se têm vindo a verificar na região?

De facto, há uma diminuição da fé cristã em geral. Depois, há outro fenómeno que não é simplesmente falta de fé, que é outra forma das pessoas se relacionarem com a fé e com Deus, trazendo essa questão para o foro íntimo. Não faz parte dos dinamismos sociais, não se exprime nas relações pessoais, nem sequer no discurso ou no diálogo, e nem pela participação na Igreja.

É uma questão muito complexa que tem a ver com o modo de ser, pensar e sentir das pessoas na atualidade. Tem questões de caráter cultural, tem a ver com ideologias, com a relação com o trabalho e com a família, com as ciências e o desenvolvimento das tecnologias, que para muitas pessoas passaram a assumir quase o lugar que, no passado, tinha a divindade ou o próprio Deus.

Depois, na questão concreta da redução do número de sacerdotes, é evidente que uma coisa decorre da outra. Muitas famílias já não vivem da mesma forma a fé cristã como no passado. Também a escola, a sociedade e a cultura não abordam a religião como um ponto central, é um conjunto de fatores muito alargado. Isso para nós está a constituir uma dificuldade muito grande porque não somos capazes de manter uma estrutura que tínhamos no passado.

Tem um lado negativo, mas também tem um lado positivo, que é pormos os membros da Igreja numa sintonia maior e com um sentido de responsabilidade muito diferente. No passado, entregava-se a responsabilidade da Igreja ao padre que pensava tudo e celebrava tudo. Hoje, há uma consciência mais alargada da responsabilidade que é pertencer à Igreja, que inclui a ação. A ação de pensar e analisar a realidade, a ação de evangelizar e a ação de trabalhar ativamente na edificação da Igreja.

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“Hoje, permanece na Igreja e na fé quem fez um caminho pessoal e interior”

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Que soluções aponta para fazer face ao afastamento das pessoas da Igreja?

Na nossa diocese, temos feito uma reflexão muito grande sobre este aspeto. Concretamente nos nossos planos pastorais, que fazemos para três anos, temos procurado descobrir quais as linhas de ação fundamentais que havemos de seguir para ajudar ao aprofundamento da fé, ao crescimento da vida espiritual, à inserção das pessoas na Igreja, porque é esse o objetivo de uma diocese da Igreja de Cristo.

Portanto, temos concluído que a evangelização é o fundamento. No passado, as pessoas faziam parte da Igreja por fé, mas também pelo impulso da tradição que vinha de trás. Hoje, permanece na Igreja e na fé quem fez um caminho pessoal e interior e não pela pressão familiar ou social. Tem que ser um caminho que cada um vai fazendo, de encontro com Deus, de aprofundamento da fé, de participação na vida da Igreja, de conhecimento da doutrina. É assim que cada pessoa depois tem a sua própria convicção, inserida numa comunidade alargada.

A Igreja já não tem aquele dinamismo ou aquela presença na sociedade como teve noutros tempos. Portanto, hoje dirige-se à evangelização de cada pessoa, de cada família ou de cada comunidade com ações adequadas para esse objetivo. Trabalha-se muito caso a caso em pequenos grupos com momentos fortes de encontro, de convívio e celebração para criar convicções pessoais para que cada um esteja por vontade própria na Igreja e livre ao mesmo tempo.

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Durante os quase sete anos em que tem estado à frente dos destinos da Diocese de Coimbra, quais os principais desafios e dificuldades que tem vindo a enfrentar?

A diocese de Coimbra tem quase 270 paróquias, 130 sacerdotes e mais de 90 por cento de batizados católicos, num universo de 500 mil habitantes. É de facto uma diocese com uma dimensão considerável. Quando aqui cheguei, há cerca de sete anos, conhecia muito pouco do dinamismo da diocese, embora viesse a Coimbra quase todas as semanas para dar aulas no Instituto Superior de Estudos Teológicos.

De facto, a diocese de Coimbra tem um dinamismo de aplicação do concílio Vaticano II, que trouxe efetivamente uma nova visão sobre a relação entre a Igreja e o mundo. A grande novidade que encontrei cá foi a presença ativa de muitos cristãos, homens e mulheres, que chamamos de leigos, na vida das comunidades paroquiais. É um fenómeno que não se passa exatamente da mesma forma noutras dioceses.

Houve aqui um caminho feito, uma atribuição de responsabilidade, que temos vindo a potenciar, até porque o número de sacerdotes é cada vez mais reduzido e os que existem estão mais idosos. Posso dizer que hoje, sem essa grande massa de pessoas a trabalhar ativamente na Igreja, as paróquias não teriam capacidade de futuro.

Encontrei na diocese de Coimbra uma atitude muita ativa da parte do povo de Deus, de gente que quer ir mais longe, que se disponibiliza para fazer caminhos novos. Mesmo as propostas que temos estado a fazer de revisão das próprias estruturas da Igreja, pois decidimos acabar com as quatro regiões pastorais, reduzir os arciprestados para dez e criar as unidades pastorais, tiveram sempre acolhimento. Não houve aquela atitude de rejeição, as pessoas compreendem e estimulam inclusivamente para avançar.

No que diz respeito, por exemplo, aos diáconos permanentes, já havia na diocese um grupo de doze diáconos, ordenei no ano passado mais dezassete, e o acolhimento por parte do povo tem sido muitíssimo bom. E não é pelo facto de haver poucos padres, que se fica parado a lamentar eternamente esta realidade, como se fosse o drama maior da vida.

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A nível nacional, ou mesmo internacional, como olha para o estado atual da Igreja Católica?

Temos tido ao longo das últimas décadas pontificados muito diferentes uns dos outros, se pensarmos em João Paulo II, Bento XVI ou o papa Francisco, todos a apontar caminhos que pareceram próprios para cada um dos momentos. Quem está por dentro percebe aspetos, que são apresentados e salientados por cada um dos responsáveis pelo crescimento da Igreja, que têm sido adequados.

A Igreja tem ritmos diferentes, de continente para continente, mas todas integradas na mesma perspetiva de unidade e de comunhão da fé, que é algo admirável. Quando se fala de globalização, não há outra instituição que tenha a capacidade de fazer a união dos povos como a própria Igreja Católica.

Por isso, eu vejo estes diferentes ritmos com esperança. Estamos num tempo em que já se percorreram muitos caminhos. Temos hoje todas as facilidades a nível tecnológico e cultural, mas nada disto retira o lugar das perguntas mais sérias que se colocam dentro de cada pessoa. Essas perguntas não têm resposta do telemóvel, nem do computador, nem do carro, nem da casa, nem do trabalho… é um caminho aberto para o questionamento acerca de Deus, acerca da fé e da forma de organizar os crentes.

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“O Papa Francisco trouxe uma segurança e uma tranquilidade a muitas pessoas que estavam a pensar que estávamos para “arrumar as coisas e fechar a casa”.

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Do ponto de vista da liderança da Igreja, considera que é relevante este caráter diferenciador do Papa Francisco, nomeadamente na abertura demonstrada sobre assuntos mais delicados?

É muito relevante por muitos aspetos. Do ponto de vista interno, o Papa Francisco trouxe uma segurança e uma tranquilidade a muitas pessoas que estavam a pensar que estávamos para “arrumar as coisas e fechar a casa”. Havia um certo desalento, sobretudo ligado a um conjunto de escândalos que marcaram a opinião pública, através da comunicação social, e o Papa Francisco, com a sua capacidade de enfrentar as questões todas, com autenticidade e com verdade, instaurou um estilo novo. Não é aquele estilo hierático, de quem cumpre o seu dever de forma estrita. Simplificou um conjunto de coisas, aproximou as pessoas, disse palavras de esperança e não excluiu ninguém. É um discurso que não é novo, porque está no Evangelho, mas não foi, durante muito tempo, um ponto forte de insistência. Refugiávamo-nos noutros chavões e noutras palavras. O Papa Francisco trouxe efetivamente uma frescura e um sentido espiritual que nos fez bem, dentro da Igreja, mas penso que também fez muito bem àqueles que estão fora, porque veem nele uma figura de referência incontornável.

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Apesar do espírito de união trazido pelo Papa Francisco, continua a existir uma ala de clero mais conservador que não se revê neste pontificado. Como observa este atual clima de tensão?

A posição do Papa Francisco é, claramente, de muito mais abertura. E quando existe essa atitude, há sempre grupos que não veem com bons olhos essa perspetiva. Defendem o chamado tradicionalismo. É evidente que há ideias e doutrinas na Igreja que não são alteráveis, mas há muitos outros aspetos que foram alterados ao longo do tempo. Penso que o Papa Francisco está a dar à Igreja a oportunidade de se abrir ao futuro porque, a pouco e pouco, estávamos a sentir a Igreja sem qualquer poder de dialogar com a comunidade humana. E uma Igreja fechada não serve para nada, só serve para si mesma.

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Regressando ao nível local, mais concretamente à Mealhada, qual a sua opinião sobre o trabalho do atual pároco da freguesia, o padre Rodolfo Leite?

Os bispos só têm opiniões boas sobre os padres (risos). O padre Rodolfo é uma pessoa com uma capacidade absolutamente genial de mover as pessoas, de dinamizar e entusiasmar as comunidades. Tem uma formação teológica e pastoral muitíssimo boa, que obteve não só em Portugal, mas também em Espanha. É um homem disponível, cheio de boa vontade para chegar a todos, tem uma sensibilidade muito grande. Penso que as paróquias de Mealhada, Casal Comba, Vacariça e Ventosa do Bairro devem sentir-se muito felizes e privilegiadas por ter este pároco que tem mostrado trabalho realizado em todos os lugares por onde tem passado.

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A recente nomeação do padre Rodolfo para capelão da Santa Casa da Misericórdia da Mealhada é uma mais-valia para aquela instituição?

Com certeza, foi a pedido do senhor provedor que fiz essa nomeação porque entendo que a Santa Casa da Misericórdia da Mealhada tem um conjunto de pessoas, na sua maioria cristãs, nas diferentes valências que têm necessidade e gosto de ter contacto com um capelão e participar nos momentos de encontro que ele venha promover, integrados naquilo que é o programa institucional da Misericórdia. Penso que será uma mais-valia para aquela gente em situação mais difícil ter uma pessoa que está atenta e que tem uma missão espiritual muito específica.

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Outra pessoa que certamente marcou a paróquia da Mealhada foi o padre Abílio Simões, falecido de forma inesperada em 2007, com 61 anos. O que recorda deste pároco, apesar de ter convivido pouco com ele?

Eu conheci-o pessoalmente, uma vez que era professor aqui no Instituto Superior de Estudos Teológicos e ele começou também a dar lá aulas de latim. Tive oportunidade de o conhecer apenas naquele contexto, por isso conheço a obra dele mais propriamente por aquilo que ouvi dizer.

Era uma pessoa generosa, que vinha para o Instituto dar aulas em regime de voluntariado. Tinha uma capacidade de mover aquela terra para o crescimento espiritual e pastoral, mas também foi responsável pela edificação do local de culto, que é agora a Igreja Paroquial da Mealhada, com as condições e as dimensões que tem.

Eu não acompanhei o processo, deve ter havido coisas que correram bem e outras que correram mal provavelmente, mas o que está à vista, por si mesmo, é de grande significado. Não terá sido fácil, e continua a não ser agora, realizar uma obra daquela envergadura.

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Do ponto de vista pessoal, como ocupa o seu tempo, além do desempenho da função de bispo da diocese de Coimbra?

O meu trabalho como bispo já me ocupa o tempo todo. Concretamente, desde novembro até maio, tenho um programa marcado que estou a cumprir, portanto para encontrar um lugar para algo extraordinário que não esteja agendado, é uma dificuldade muito grande.

Estive na diocese de Leiria durante 26 anos, trabalhei no seminário de Leiria e no santuário de Fátima, nunca fui pároco. Depois, fui chamado para ser bispo. Aceitei o desafio, vim ao encontro do desconhecido, mas com a mesma motivação que tinha do tempo em que trabalhei em Leiria e Fátima.

Senti-me sempre acolhido e tenho procurado fazer aquilo que é a minha missão. A dificuldade maior que tenho é encontrar os caminhos certos para a realização da minha missão. Ambições não tenho, desejo apenas ser bom bispo, bom cristão, ajudar as pessoas e sentir que há sintonia e comunhão entre elas.

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Perfil

Virgílio do Nascimento Antunes, de 56 anos, é um bispo católico português, atualmente Bispo da Diocese de Coimbra e por inerência 30.º Conde de Arganil de juro e herdade. Foi ordenado presbítero da Diocese de Leiria-Fátima a 29 de setembro de 1985. Desde então, assumiu diversos serviços na mesma diocese, com destaque para a formação de candidatos ao sacerdócio, como formador e reitor. Entretanto, especializou-se em ciências bíblicas, em Roma e em Jerusalém. A 25 de setembro de 2008, assumiu o cargo de reitor do Santuário de Fátima para um mandato de cinco anos. A 28 de abril de 2011, foi nomeado pelo Papa Bento XVI bispo da Diocese de Coimbra. Foi ordenado bispo a 3 de julho de 2011, na Basílica da Santíssima Trindade, em Fátima, por D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima, D. Anacleto Oliveira, bispo de Viana do Castelo e por D. Albino Cleto, bispo de Coimbra. Tomou posse como bispo de Coimbra no dia 10 de julho de 2011, em Coimbra.